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segunda-feira, 24 de maio de 2010

Pierre Bourdieu: a prática social entre o campo e o habitus

"A dialética das esperanças subjetivas e das chances objetivas está sempre em funcionamento no mundo social e, na maior parte das vezes, ela tende a garantir o ajuste das primeiras às segundas" (Bordieu, P. e Wacquant, L. J. D. Pour une antropologie réflexive. 1992).

Ao propor superar a polarização de correntes estruturalistas e de base fenomenológica, Bourdieu intentou mostrar o modo como a sociedade constitui o indivíduo, ao mesmo tempo em que o indivíduo constitui a sociedade. A intenção de Bourdieu foi a de substituir tanto o determinismo estrutural quanto o voluntarismo individualista, o que implicava, conseqüentemente, em considerar os atores sociais como reconstrutores e transformadores da estrutura social. Bourdieu efetivamente consegue articular estrutura e ação, mas claramente manteve em sua análise o modo de pensar estruturalista, mantendo também maior ênfase da determinação estrutural sobre as relações sociais. Ao apontar as práticas sociais como objeto sociológico, Bourdieu fundamenta nas relações sociais a análise dessas práticas. O pensamento de Bourdieu está fundado num pressuposto do estruturalismo: a explicação social está nas relações sociais, e não nas partes. Bourdieu, mesmo com viés estruturalista, crítica o objetivismo, sobretudo a incapacidade deste de esboçar um conceito satisfatório de prática social, todavia o autor não descarta o conceito de estrutura, pelo contrário, mantém-na no centro de sua análise. O que o interacionismo considera como determinação do agente (subjetividade), Bourdieu apreende como objetivamente estruturado. Segundo propõe Bourdieu, há elementos estruturantes nas práticas sociais e elas não podem ser explicadas apenas naquelas instâncias concretas das próprias práticas em que elas ocorrem.
Um segundo ponto de destaque é que para desenvolver sua proposição teórica, Bourdieu vai propor os conceitos campo e habitus como unidades de análise para se compreender as práticas. Através destes dois conceitos, Bourdieu busca compreender as práticas sociais articulando estrutura e ação. Enquanto o campo demonstraria a história acumulada ou reificada no âmbito de um segmento de interesses comuns em que os agentes disputam prestígio e poder, o habitus demonstraria a história incorporada pelos agentes em espaços sociais. O habitus é indissociável do campo, e nessa conjugação fica latente a privilegiada posição da estrutura sobre a ação na proposta de Bourdieu. Tal conjugação implica também a perspectiva de reprodução social
O campo serve como instrumento que permite localizar os agentes sociais em posições relativas percebidas em um espaço social em que ocorrem relações invisíveis. Ao perceber o social de um ponto de vista espacial, Bourdieu vai observar que a sociedade se constitui de variados campos, estes, mundos sociais relativamente autônomos (religioso, político, artístico, científico, filosófico, da arte, jornalístico, masculino, etc.). Caracterizar os campos como autônomos implica em considerar que neles há um modus próprio de atuação, o que implica também a idéia de que a atuação do agente no campo é estruturada e estruturante. Isso significa que nos campos, identificam-se espaços de relações, no qual as posições do agente se encontram a priori fixadas. Tal idéia remonta a se pensar que Bourdieu substitui a luta de classes, motor da história em Marx, pala luta de classificações – derivadas do capital econômico e do capital cultural, motor da lógica do espaço social. O habitus pressupõe que a narrativa do agente é relacionalmente determinada no campo, e sustentada em sua história passada, acumulada, como um “script”, que orienta o perfil e a ação posterior da trajetória do indivíduo, ou seja, seu habitus, uma gramática que define o repertório de decisões para a ação. O agente possui escolhas, mas nesse repertório de possibilidades forjadas pelo campo. De maneira mais atual, poder-se-ia dizer que, para Bourdieu, um indivíduo/agente é “formatado” para atuar num “sistema compatível” (campo), e o conteúdo dessa formatação seria o habitus.
A ação do indivíduo é construída num processo genealógico de sua existência social, nos campos que “visita” em sua vida, e seus interesses serão “sempre” definidos de acordo com sua posição dentro de determinado campo. Se o campo é definido como um sistema de relações objetivas no qual as posições e as tomadas de posições se definem relacionalmente e que domina também as lutas que visam transformar o próprio campo, subentende-se que a estrutura do campo poderia variar, pois este é um lugar de luta entre quem detém certa autoridade e entre os agentes desigualmente dotados de tal capital. Todavia, Bourdieu entende que os agentes que detêm maior capital econômico e/ou cultural ocupam as posições dominantes dessa estrutura, enfraquecendo, teoricamente, e aprioristicamente, a própria capacitação da ação. Isso nos direciona a pensar a perspectiva da história para Bourdieu como muito mais reproduzida do que construída. Toda a construção teórica de Bourdieu prevê a visualização de uma história incorporada e objetivada pelos indivíduos e na qual estes indivíduos atuam, mais do que agem, dando margem para se pensar na noção de “atores sociais”, mais do que de agentes (a não ser se pensarmos estar implícito na noção de agente de Bourdieu o potencial de agente dos “agentes”). Os conceitos de campo e habitus de Bourdieu estão muito próximos do pólo estrutural: ao agente pouco se reserva uma manifesta possibilidade de ação, pois o agente muito mais é um “ator”. Os “agentes” realizam suas práticas no interior de um campo, onde adquirem interesses, constroem estratégias e fazem escolhas delineados pelo habitus internalizado durante sua trajetória de vida. Como agente “não-agente”, o “agente” é mais ator, uma vez que o agente de Bourdieu age a partir da vivência vivida, do habitus adquirido em um campo em que se localiza como “agente”. Neste sentido, para Bourdieu, a ação dos indivíduos ocorre, mas permanece presa à estrutura.

Pierre Félix Bourdieu nasceu em Denguin, em 1 de agosto de 1930, e morreu em Paris, em 23 de janeiro de 2002. De origem campesina, filósofo de formação, chegou a docente na École de Sociologie du Collège de France, instituição que o consagrou como um dos maiores intelectuais de seu tempo. Desenvolveu, ao longo de sua vida, centenas de trabalhos, tornando-se um dos autores mais lidos, em todo o mundo, nos campos da Antropologia e da Sociologia, mas cuja contribuição alcança as mais variadas áreas do conhecimento humano, discutindo em sua obra temas como educação, cultura, literatura, arte, mídia, lingüística e política. Também escreveu muito analisando a própria Sociologia enquanto disciplina e prática. O mundo social, para Bourdieu, deve ser compreendido à luz de três conceitos fundamentais: campo, habitus e capital. Sua discussão sempre buscou desvendar os mecanismos da reprodução social que legitimam as diversas formas de dominação. Para empreender esta tarefa, Bourdieu desenvolve conceitos específicos, retirando os fatores econômicos do epicentro das análises da sociedade, a partir de um conceito concebido por ele como violência simbólica, no qual Bourdieu advoga acerca da não arbitrariedade da produção simbólica na vida social, advertindo para seu caráter efetivamente legitimador das forças dominantes, que expressam por meio delas seus gostos de classe e estilos de vida, gerando o que ele pretende ser uma distinção social.

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