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segunda-feira, 24 de maio de 2010

Além de uma estrutura histórica há uma sociologia do cotidiano

O sociólogo canadense/norte-americano Erving Goffman (1922-1982) propôs em sua obra uma sociologia do cotidiano, abordando os aspectos da vida social que teriam sido negligenciados pela sociologia ortodoxa. A perspectiva analítica baseada naqueles elementos corriqueiros da realidade dos atores e mais próximos das pessoas comuns, revelam uma preocupação do autor em abordar o cotidiano, mais especificamente, o funcionamento da interação em geral. Neste sentido, poder-se-ia dizer que o objetivo de Goffman é menos ambicioso que os objetivos das concepções macro-sociológicas, considerando que o autor se distancia de qualquer tentativa de revelar “o invisível” ou as estruturas por detrás das aparências; todavia, seu objetivo não é menos generalista, pelo contrário, procurou desvendar padrões sociais micro-sociológicos presente na maneira de ser dos indivíduos, revelando as “estruturas de interação”. Seguindo o legado da Escola de Chicago, em especial os trabalhos de George Herbert Mead, a obra de Goffman trata da interação de maneira pragmática. No livro A Representação do Eu na Vida Cotidiana (1959), Goffman dedicou-se à investigação da interação social entre pessoas (atores), especialmente em lugares públicos, observando e analisando a atuação das pessoas nestes espaços a fim de buscar explicações para o comportamento humano e os padrões deste. Para Goffman, o desempenho dos papéis sociais tem a ver com o modo como cada indivíduo concebe a sua imagem e a pretende manter. No centro da análise estão os conceitos de “performance” e “fachada”. Os indivíduos seriam atores em atuação: atuam em uma posição onde há o palco e os bastidores; há relação entre a peça e a sua atuação; ele está sendo visto por um público, mas ao mesmo tempo, ele é o público da peça encenada pelos espectadores. Desta forma, o ator social teria a habilidade de escolher seu palco e sua peça, assim como o figurino para cada público diferente, ou seja, o ator mantem sua coerência e a ajusta (fachada) de acordo com a situação. Nas interações, ou performances, os envolvidos podem ser público e atores simultaneamente: os atores atuam de forma que se sobrepõem a si mesmos e encorajam os outros. Esses padrões de performance ocorrem, segundo Goffman, em todos os níveis da organização social e são independetes de grupos sociais sou classes; o que poderia mudar, nestes casos, seria o conteúdo e não a forma da “estrutura” de interação. A obra de Goffman funda um modelo dramatúrgico de interpetação da realidade social, em que a interação está predeterminada e é recriada socialmente, sendo possível localizar regularidades no cotidiano dos indivíduos, as quais sofrem mediação simbólica.
A noção de enquadramento (frame ou framing) é uma síntese conceitual desenvolvida na obra Frame Analysis (1974), mas que permeia toda a sua obra, e clareia uma série de elementos que facilitam a compreensão de sua sociologia do cotidiano. O enquadramento define os elementos dos eventos sociais e a subjetividade imprimida neles. Dito de outra forma, o enquadramento fornece premissas ou instruções necessárias para que os atores decifrem uma situação, sendo que tais instruções podem variar e transformarem-se em realidades múltiplas em que os atores se movem. Goffman descreveu tal processo como esquemas interpretativos que fazem as pessoas localizar, per¬ceber, identificar e classificar os acontecimentos e informações; são scripts que ajudam a estruturar a experiência diária e facilitam o processo de construção de significados, permitindo entender certos temas em perspectivas particulares. Em outras palavras, as definições de perspectivas e tipos de apresentação fazem parte do próprio entendimento e avaliação que os indivíduos têm sobre os eventos sociais. A análise sobre o cotidiano parece ter rendido a Goffman uma popularização incomum, levando-o a ser um dos sociólogos mais referidos dentro e fora da academia. Os textos de Goffman exerceram certo fascínio sobre o público em geral, uma vez que esses tomam contanto com seus conceitos e os assimilam como “reais”, fato que nos conduz a pensar que os indivíduos são hábeis sociólogos, como diria Giddens. Embora eu não trabalhe nesta linha de investigação proposta por Goffman, considero que seja uma perspectiva da maior importância para a sociologia, abordando os elementos mais próximo da realidade dos indivíduos e, certamente, implementando o conhecimento sociológico. A proposta de Goffman não nega o estudo de padrões sociais, que caracteriza a sociologia, mas procura padrões na interação entre os indivíduos. Muitos críticos de Goffman apontaram que suas obras não têm fundamentação empírica, pois o autor não teria deixado cadernos de campo ou resultados de pesquisa. Contudo, me parece claro, e a “veracidade” do que expõe em seus textos (a julgar pela receptividade que obtém do público leigo e o fascínio que seus textos exercem sobre esse) parece comprovar isso, que Goffman tenha sido um legítimo adepto de loas ao passeio, aquela “metodologia” não sistematizada, que é feita no dia-a-dia, sem nenhum tipo de instrumento de coleta de dados, a não ser a própria percepção do observador sobre o mundo que o cerca e em que ele próprio vive.

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