"Fato Sociológico" é um Web Log desenvolvido para a discussão sociológica, em seus aspectos epistemológicos, teóricos e metodológicos. Criado em 21 de maio de 2010, o projeto visa a constituição de um espaço de exposição, discussão e interlocução de ideias sobre o pensamento social e as tradições sociológicas, aberto ao público e sem fins comerciais. As mensagens aqui postadas visam a informação e a divulgação de questões pertinentes, sem qualquer intenção de denegrir a imagem de instituições, pessoas ou organizações. Entendemos que as imagens compiladas são de domínio público, e acreditamos no bom senso dos detentores de seus direitos autorais em permitir o uso irrestrito dos materiais, por isso nos dispomos a promover o merecido reconhecimento quando solicitado.


quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Esquematizações teóricas: Durkheim

Esquematizações são importantes instrumentos para a análise do pensamento sociológico, que nos ajudam numa melhor compreensão teórica. Deve-se resaltar, todavia, que como todo esquema é uma representação, não dá conta de todos os detalhes das complexas obras dos autores. O esquema teórico da obra de Durkheim, abaixo reproduzido, foi apresentado na obra:

RODRIGUES, José Albertino (org.). Durkheim - Sociologia. 9ª Edição, 7ª Reimpressão. São Paulo: Ática, 2004. (p. 31).

Clique na figura abaixo para ampliar a imagem.

sábado, 14 de agosto de 2010

Revisão da tradição socialista do pensamento

André Gorz, embora tenha nascido em Viena, Áustria, é conhecido como um sociólogo francês porque assumiu em 1940 esta nacionalidade depois de sua família – de origem judaica – ter sido expulsa da terra natal durante o regime nazista. Conhecedor e adepto, mas critico, da teoria marxista, desde os anos 50, quando se aproximou do existencialismo, Gorz questionava o papel do proletariado como classe revolucionária, considerando que no século XX, nada diferenciaria o proletariado das demais classes. Considerava que o nível de vida dos trabalhadores apresentava substanciais melhoras com o estado de bem estar dos países desenvolvidos, e a diminuição da miséria propiciaria o crescente processo de “aburguesamento das massas”, diminuindo a intenção revolucionária do proletariado.

Em 1980, escreveu Adeus ao proletariado, seu livro mais conhecido e que teve grande repercussão na Europa, mas que mereceu, na França, o repúdio da Confederação Francesa Democrática do Trabalho, na qual Gorz atuava. Na Alemanha, pelo contrário, tal livro foi recebido com grande interesse pelo movimento operário, o que proporcionou a reconciliação de Gorz com este país. No livro, Gorz realiza um tratamento sistemático do questionamento da sociedade centrada no trabalho, a partir da identificação de tendências de redução do emprego industrial nas sociedades capitalistas avançadas, de ampliação de atividades em serviços, de diminuição da jornada de trabalho e de aumento do desemprego e sua manutenção em patamar elevado contrariamente ao “pleno emprego” de décadas anteriores. No contexto dessas mudanças, Gorz afirma que a teoria marxista não teria mais propostas a oferecer à construção de uma sociedade do futuro, o que evidenciaria seu anacronismo. Adeus ao proletariado expõe os mais importantes aspectos da concepção do autor, complementados em Metamorfoses do trabalho, demanda do sentido (1988), os quais estão presentes em todos os livros subseqüentes do autor, inclusive o que trataremos nesta resenha, Misérias do Presente, Riqueza do Possível (1997).

A obra de Gorz pode ser considerada como uma revisão crítica da tradição socialista, mostrando a necessidade de se reconsiderar a utopia e atualizar as ideologias emancipatórias. O autor assume uma combinação da teoria social da ação de cunho marxista com uma visão fenomenológica-existencialista do sujeito, o que se deve a sua ligação com Sartre. A contribuição principal de Gorz consiste na descentralização e na reconsideração da idéia de trabalho como mediação central da interação social e da relação entre natureza e sociedade.

Em Misérias do Presente, Riqueza do Possível, Gorz explora as idéias da importância que o conhecimento (saber) assume na economia contemporânea e do desaparecimento do trabalho assalariado como base da identidade social. O autor retoma a tese de que o fim da centralidade do trabalho assalariado não seria algo a ser lamentado pelos trabalhadores, pois uma nova sociedade estaria surgindo dos escombros da antiga. Gorz entende que as transformações sociais e do trabalho poderiam favorecer uma “libertação da alienação do trabalho” da era fordista e potencializariam condições para o surgimento de atividades “auto-organizadas”, sendo necessário que o trabalho perca definitivamente seu lugar central na vida das pessoas, para que estas busquem novas formas de expressão identitária.

No Capítulo sobre os Últimos avatares do trabalho, Gorz explora essas questões a partir da crise do modelo fordista e da emergência do modelo toyotista e das novas formas de trabalho assalariado (emprego) e as novas formas de “apropriação pelo trabalho” implementadas a partir desta crise. O autor mostra como a sociedade salarial se metamorfoseia inclinando-se para uma sociedade onde todos seriam precários. Ao tratar sobre o Pós- fordismo, faz uma caracterização do modelo pós-fordista, que se constituiu a partir da crise do fordismo, examinando de forma didática as diferenciações entre fordismo e pós-fordismo. O paradigma da organização vê-se substituído por aquele da rede de fluxos inter-conectados (...) No lugar de um sistema hetero-organizado centralmente, tem-se um sistema auto-organizado descentrado. (...) (p. 41). Uma tal concepção abriria ao poder operário espaços sem precedentes, anunciando uma possível liberação, ao mesmo tempo no e do trabalho? Ou significa a sujeição máxima dos trabalhadores (...)? (p.41)

A Materialização do modelo pós-fordista (toyotista) é exemplificada através do caso da Fábrica da Volvo, em Uddevalla, onde os trabalhadores seriam considerados como sujeitos reais da organização do trabalho. Grupos de trabalho, sistema de prêmio para montar um carro inteiro, rotatividade técnica e flexibilidade-funcional: o grupo funciona mesmo sem um dos membros, negociação de folgas entre o grupo, “árbitro” ou chefe da equipe, cargo ocupado alternadamente por cada membro do grupo, sindicato da empresa. Emprego de mão de obra jovem, bem formada, motivada.

Gorz aborda a questão da sujeição a partir de seu exame do toyotismo. Neste modelo, a produção enxuta tinha princípios próprios. Era preciso ultrapassar as relações de produção capitalistas tradicionais. Empregar apenas trabalhadores jovens, sem passado sindical, com contrato de trabalho de total comprometimento, sob ameaça de serem dispensados se o não cumprissem (...) Só empregam operários despojados de sua identidade de classe. (p. 47). Cultura da empresa como refúgio da insegurança. Cooptação do empregado. Toyotismo substitui as relações sociais modernas por pré-modernas. A empresa primeiro compra a pessoa e sua dedicação e só depois devolve sua capacidade de trabalho abstrata (p. 49).

Para Gorz, quanto mais se amplia a autonomia, mais deveria radicalizar-se a recusa da heteronomia (p. 50). A autonomia no trabalho é irrelevante se não for acompanhada de uma autonomia cultural, moral e política (p. 52). No tempo do general intellect (...) todos e todas são ao mesmo tempo trabalhadores potenciais e desempregados em potência (p. 53). Autônomo, soberano, mas limitado e assujeitado: o que produzem não é um resultado objetivado, destacável de sua pessoa, mas a mobilização de recursos próprios a ela mesma: seus talentos (p. 54). Vender toda a sua pessoa, saber vender-se, é a própria essência da prostituição. Gorz explora a idéia de que a superação da subordinação do trabalho da esfera heterônoma para a autônoma constituiria as condições concretas para a conversão do trabalho em uma atividade autônoma. Isso implica a coexistência de dois mundos diferentes – o da heteronomia e o da autonomia – em que um engloba toda a exploração típica do modo de produção capitalista, enquanto o outro constrói a independência do indivíduo. A superação da centralidade do trabalho assalariado torna-se imperativo para que os indivíduos transponham a heteronomia do trabalho e construam um novo tipo de sociedade, calcada no princípio do “tempo livre”. Qual seria o ápice desta nova sociedade? Diante da crise da racionalidade econômica capitalista, seria potencializada ao indivíduo a exposição de sua individualidade através do “tempo livre”?

Comentários com base no texto:
GORZ, André. Misérias do Presente, Riqueza do Possível. Tradução: Ana Montoia. São Paulo: Anna Blume, 2004. 162p. Original de 1997. Introdução (p. 9-15) e Capítulo II – Últimos avatares do trabalho (p. 37-65).

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Conhecimento, tecnologia e mudança social

Manuel Castells é um dos principais teóricos da nova realidade social. Na obra de três volumes A Era da Informação (originalmente publicada em 1999), Castells parte do pressuposto de que, no final do século XX, vivemos um intervalo na história caracterizado pela transformação da cultura material pelos mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação. Castells identifica o surgimento de uma nova estrutura social, associada a um novo modo de desenvolvimento, por ele denominado Informacionalismo que se apresentaria como produto da reestruturação capitalista observada a partir do final do século XX, possuindo como fonte de produtividade a combinação entre a geração de conhecimento, os processos de informação e a comunicação por símbolos. Neste sentido, o Informacionalismo possibilitaria o surgimento de novas formas históricas de interação, de controle e de transformação social. Para Castells as sociedades informacionais da forma como existe hoje são capitalistas. Ou seja, o autor esboça sua teoria não partindo do suposto de uma ruptura com o modo de produção capitalista, mas como que num processo de evolução do próprio capitalismo, o que caracterizaria uma nova etapa de desenvolvimento capitalista que precede o informacionalismo. O autor enfatiza a diversidade cultural e institucional das sociedades, definindo que da mesma maneira que não se podem homogeneizar peculiaridades locais, não se pode afastar a idéia do processo mais amplo a que todas estão submetidas. A idéia é que as sociedades, mesmo tendo suas diferenças, serão cada vez mais sociedade informacionais. Nas palavras de Manuel Castells, “a nova sociedade emergente desse processo de transformação é capitalista e também informacional, embora apresente variação histórica considerável nos diferentes países, conforme sua história, cultura, instituições e relação específica com o capitalismo global e a tecnologia informacional” (p. 31). Segundo Castells (2000, p. 35), conhecimentos e informação são elementos cruciais em todos os modos de desenvolvimento [agrários, industrial, informacional], visto que o processo produtivo sempre se baseia em algum grau de conhecimento e no processamento da informação. Contudo, o que é específico ao modo informacional de desenvolvimento é a ação de conhecimentos sobre os próprios conhecimentos como principal fonte de produtividade. Cada modo de desenvolvimento tem, também, um princípio de desempenho estruturalmente determinado que serve de base para a organização dos processos tecnológicos: o industrialismo é voltado para o crescimento da economia, isto é, para a maximização da produção; o informacionalismo visa o desenvolvimento tecnológico, ou seja, a acumulação de conhecimentos e maiores níveis de complexidade do processamento da informação. Embora graus mais altos de conhecimentos geralmente possam resultar em melhores níveis de produção por unidade de insumos, é a busca por conhecimentos e informação que caracteriza a função da produção tecnológica no informacionalismo (Castells, 2000, p. 35). Castells afirma que a tecnologia e as relações técnicas de produção difundem-se por todo o conjunto de relações e estruturas sociais, apesar dessas serem organizadas em paradigmas oriundos das esferas dominantes da sociedade como o processo produtivo ou o complexo militar, penetrando no poder e na experiência e modificando-os. Conclui então que Dessa forma, os modos de desenvolvimento modelam toda a esfera do comportamento social, inclusive a comunicação simbólica. Como o informacionalismo baseia-se na tecnologia de conhecimentos e informação, há uma íntima ligação entre cultura e forças produtivas e entre espírito e matéria, no modo de desenvolvimento informacional. Portanto, devemos esperar o surgimento de novas formas históricas de interação, controle e transformação social. (Castells, 2000, p. 35-36) A tecnologia da informação atingiria todas as esferas da atividade humana, por isso que Castells a analisa para estudar a complexidade da nova economia, sociedade e cultura em formação. Mas, como chama o autor chama a atenção, a opção em explicar as mudanças da sociedade tirando por base a tecnologia da informação não é de forma alguma um determinismo tecnológico. É uma opção metodológica, um ponto de partida escolhido pelo autor. Ou seja, para ele a tecnologia não determina a sociedade “Na verdade, o dilema do determinismo tecnológico é, provavelmente, um problema infundado, dado que a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas.” (CASTELLS, 1999, p.25). Porém, o modo como as sociedades dominam a sua tecnologia, vai moldar o seu próprio modo de vida, que apesar de não determinar a evolução histórica e a transformação social da mesma, as mudanças tecnológicas se tornam o ícone da capacidade de transformação e “modernização” das sociedades contemporâneas.



Comentários com base no texto:
CASTELLS, Manuel. Prólogo: a Rede e o Ser. IN: A Sociedade em Rede. Tradução: Roneide Venâncio Majer. Volume 1 de “A era da informação: economia, sociedade e cultura”. 4º edição. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Eduardo Giannetti fala no I Fórum do Centro de Liderança Pública sobre formação de capital humano e investimento em educação no Brasil

A exposição do conjunto de cinco partes aborda um interessante tema que poderia estar em pauta na agenda nacional com mais vigor e destacada no debate eleitoral recente. Em época de corrida eleitoral, o discurso em geral acaba sempre defendendo maior investimento, mas sem direcionamentos claros, ou seja, acaba sendo o discurso do investimento feito de qualquer jeito, como aumento de salários, proteção dos "direitos adquiridos", saúde, segurança, etc... A tônica da fala de Giannetti passa pela questão da eficiência do gasto público e do investimento. Devemos lamentar que a eficiência de gastos nunca foi no Brasil um discurso eleitoral. Mas temos que lembrar que políticos são políticos e analistas são analistas, feliz ou infelizmente, não sei.









segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Direto ao ponto 1: Edgar Morin

"Quando os filósofos descem de sua torre de marfim ou os técnicos ultrapassam sua área de aplicação especializada para defender, ilustrar, promulgar idéias que têm valor cívico, eles se tornam intelectuais".

Edgard Morin, 1996

Norbert Elias: A sociedade dos indivíduos

N“A sociedade dos indivíduos”, Norbert Elias buscará desenvolver a compreensão da emergência da sociedade moderna. Elias relacionará três estruturas que considera fundamental para tal compreensão: estrutura social, estrutura histórica e estrutura psíquica. Norbert Elias irá transcorrer sobre o conceito de sociedade, de indivíduo, e de como se dão as relações destes dentro da sociedade e em relação a estrutura social. A sociedade se constitui no conjunto das relações entre os indivíduos e só existe porque um grande número de pessoas querem e fazem certas coisas, isoladamente, as quais continuam a funcionar independente das intenções particulares fazendo com que as grandes transformações históricas independam da estrutura e de como ela se transforma.

Ao examinarmos o modo como as ciências sociais têm tratado estas estruturas defrontamo-nos com dois campos opostos. Por um lado temos uma abordagem das formações sócio-históricas como se tivessem sido concebidas, planejadas e criadas, tal como agora se apresentam ao observador retrospectivo, por diversos indivíduos ou organismos. Sua argumentação se baseia em que a finalidade da linguagem é a comunicação entre as pessoas, ou que a finalidade do Estado é a manutenção da ordem como resultado de um pensamento racional. O campo oposto despreza essa maneira de abordar as formações históricas e sociais. Para seus integrantes o indivíduo não desempenha papel algum, seus modelos conceituais são primordialmente extraídos das ciências naturais, em particular, da biologia. Com isto a sociedade é concebida como uma entidade orgânica supra-individual que avança inevitavelmente para a morte, atravessando etapas de juventude, maturidade e velhice - enquanto no primeiro campo continua obscuro o estabelecimento de uma ligação entre os atos e objetivos individuais e suas transformações sociais inerentes, no segundo não se tem clareza de como vincular as forças produtoras dessas formações as metas e aos atos dos indivíduos, quer essas forças sendo vistas como anonimamente mecânicas ou como supra-individuais baseadas em modelos panteístas.

Já a psicologia defronta-se com duas propostas. Por uma lado se trabalha o indivíduo como algo singular que pode ser completamente isolado e que busca elucidar a estrutura de suas funções psicológicas independentemente de suas relações com as demais pessoas. Por outro lado, encontram-se correntes na psicologia social que não conferem nenhum lugar apropriado às funções psicológicas do indivíduo singular, tratando o indivíduo como um produto do meio social. A sociedade se afigura neste caso como uma acumulação aditiva de muitos indivíduos. As formações sócio-históricas possuem uma alma que transcende a alma dos indivíduos. Para Elias, essas abordagens criam uma antinomia absoluta entre o indivíduo e a sociedade.

“Muitas vezes, é como se as psicologias do indivíduo e da sociedade parecessem duas disciplinas completamente distinguíveis. E as questões levantadas por cada uma delas costumam ser formuladas de maneira a deixar implícito, logo de saída, que existe um abismo intransponível entre o indivíduo e a sociedade.”(p.15)

Para Elias, três metáforas históricas tentaram superar esta autonomia. Essas metáforas servem como modelos de interpretação e que são colocados pelo autor como instrumento para uma posterior reconstrução da teoria antropológica interpretativa dos conceitos de indivíduo e de sociedade.

Primeiramente temos a teoria de Aristóteles sobre a casa, onde a sociedade é vista como a soma de tudo o que se usa para construi-la. Um monte de tijolos não é uma casa. “Aquilo a que chamamos sua estrutura não é a estrutura das pedras isoladas, mas a das relações entre as diferentes pedras com que ela é construída. (...) Deve-se começar pensando na estrutura do todo para se compreender a forma das partes individuais. Esses e muitos outros fenômenos têm uma coisa em comum, por mais diferentes que sejam em todos os outros aspectos: para compreendê-los é necessário desistir de pensar em termos de substâncias isoladas únicas e começar a pensar em termos de relações e funções.”(p.25)

Em segundo lugar, Elias apresenta a metáfora da “Gestalt”, onde o todo é diferente da soma das partes pois este incorpora leis de um tipo especial, que não podem ser elucidadas pelo exame de seus elementos isolados. “como o exemplo da melodia, que também não consiste em nada além de notas individuais, mas é diferente de sua soma, ou o exemplo da relação entre palavras e sons, a frase e as palavras, o livro e as frases. Todos esses exemplos mostram a mesma coisa: a combinação, as relações de unidades de menor magnitude dão origem a uma unidade de potência maior.” (p.16)

Temos ainda a metáfora da “Rede” na qual se estabelecem tensões e onde cada fio que a compõe tem sua singularidade e sua identidade em relação ao todo. Numa rede, muitos fios se ligam para formá-la. A rede é compreendida em termos de modo como se ligam, numa relação recíproca. Essa ligação origina um sistema de tensões para qual cada fio isolado concorre, conforme seu lugar e função na totalidade. A forma do fio individual se modifica quando se alteram a tensão e a estrutura da rede inteira. No entanto, a rede nada é além de uma ligação de fios individuais, e, no interior do todo, cada fio continua a constituir uma unidade em si: tem uma posição e uma forma singular dentro deste todo.

Para Elias, essas metáforas nos remetem sempre a um modelo estático, pois, para o autor, as sociedades são sempre abertas e estão num fluxo continuo de transformação e mudança. Elias parte do princípio de que a sociedade e uma contínua interação entre a parte e o todo, que estão permanentemente se modificando. Este é um processo dinâmico, de transformação. Estas sociedades são complexas e abertas, sua ordem não é uma substância fora dos indivíduos.

A principal contribuição do autor para a teoria antropológica contemporânea é o inter-relacionamento das estruturas sociais, históricas e psíquicas, tornando-as indissociavelmente complementares e tratadas como o objeto único da ciência humana. Na concepção de Norbert Elias as estruturas emergem do indivíduo e da sociedade, a partir das relações estruturais entre o social, o histórico e o psíquico, ou seja, o indivíduo, é uma invenção histórica que se construiu ao longo do tempo a partir de mecanismos de diferenciação de seu comportamento em relação ao dos outros. Temos pois, que o indivíduo é a expressão singular da conformação histórica, o que permite a conscientização deste e de sua individualidade e é através das funções sociais que as pessoas desempenham entre si, seja em relação a si ou aos outros que se institui o que chamamos de sociedade e na sua formação ulterior estruturas que denominamos de estruturas sociais. Para o autor é preciso que se renuncie a forma de pensamento que vê os signos isolados, para começar a pensá-los em termo de relações e funções dentro da estrutura social. Para Elias é preciso deixar de pensar a sociedade e o indivíduo como substâncias indisociáveis. Não existe uma estrutura fora do indivíduo, nem um indivíduo fora da sociedade. É necessário que se pense nas relações históricas que estão embricadas na questão.


Comentários com base no texto de:
ELIAS, Norbert. “A Sociedade dos Indivíduos”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p. 11-66

Giddens e o Estado de Bem-estar social 2

Giddens aponta algumas características para um sistema de governança alternativo ao WELFARE STATE: Incentivar engajamentos reflexivos, entendido com estabelecimento de movimentos sociais e grupos de auto-ajuda locais; limitação de danos, preocupação básica, seja em relação à cultura local ou meio ambiente; considerar questões de políticas de vida fundamentais para a política emancipatória, exigindo o enfrentamento de questões de estilo de vida e ética (a questão de “como” viver tem importância sumária e específica para os pobres; promover autoconfiança e integridade como os próprios meios de desenvolvimento, referindo-se essencialmente à reconstrução de solidariedades locais; questão ecológica: ricos e pobres têm o mesmo interesse com tal aspecto; melhoria da posição das mulheres (com poder as mulheres podem tomar sua própria decisão em relação à reprodução); saúde pública autônoma (educação a respeito de cuidados pessoais; pessoas com informações básicas podem tomar cuidados comuns com a saúde, evitando e tratando a maioria dos problemas simples; conhecimento médico não deveria ser segredo de um grupo restrito; cuidados básicos de saúde não deveriam ser oferecidos e sim incentivados); direitos para a família e dentro da família (laços familiares oferecem segurança social); reconhecimento de direitos formais e substantivos refletem em obrigações e deveres concomitantes; intervenção de natureza gerativa, global, mas sensível às necessidades locais e protetora de interesses locais.

Segundo Murray, os WELFARE STATE criam subclasses empobrecidas e desmoralizadas. “O objetivo da existência humana não é apenas atingir um determinado padrão de vida, mas sim a aquisição de valores de vida definidos.” “O que há de errado em ser pobre?” Baseia-se em pesquisas realizadas no tocante às relações entre renda e felicidade expressa, procurando demonstrar que depois de um limite bastante baixo, os níveis crescentes de renda não conduzem a graus maiores de felicidade ou de satisfação com a própria vida.

Giddens questiona porque não tentar aproximar as condições de vida de ricos e pobres, mesmo se isso não for feito por meio de transferências de riqueza e de renda? O verdadeiro inimigo da busca da felicidade não é a pobreza nem a riqueza, mas o produtivismo. O consumismo surgiu da orientação produtivista do mundo. E acaba rompendo com o significado moral do Trabalho. O WELFARE STATE está profundamente preso ao produtivismo que está preso a padrões e estilos de vida estabelecidos. A modernização reflexiva que cada vez mais caracteriza a sociedade coloca os indivíduos em uma matriz de decisão diferente da tradicional e cria uma série de tensões inter-relacionadas no âmago das instituições nas sociedades modernas.

Todo interessado em abordar a questão da governança social poderia considerar o seguinte losango analítico: Trabalho – Família – Gerações – Gênero, e as mudanças que ocorrem nestas esferas.

Comentários com base no texto:
GIDDENS, Anthony. Para Além da Esquerda e da Direita. São Paulo: Unesp, 1996. Capítulos 5, 6 e 7 (p. 153-224)