"Fato Sociológico" é um Web Log desenvolvido para a discussão sociológica, em seus aspectos epistemológicos, teóricos e metodológicos. Criado em 21 de maio de 2010, o projeto visa a constituição de um espaço de exposição, discussão e interlocução de ideias sobre o pensamento social e as tradições sociológicas, aberto ao público e sem fins comerciais. As mensagens aqui postadas visam a informação e a divulgação de questões pertinentes, sem qualquer intenção de denegrir a imagem de instituições, pessoas ou organizações. Entendemos que as imagens compiladas são de domínio público, e acreditamos no bom senso dos detentores de seus direitos autorais em permitir o uso irrestrito dos materiais, por isso nos dispomos a promover o merecido reconhecimento quando solicitado.


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Convocatória para o XXVIII Congresso ALAS Recife – 06 a 10 setembro de 2011

O XXVIII Congresso da ALAS - Associação Latino-americana de Sociologia “Fronteiras Abertas da América Latina” será realizado em Recife, entre 06 a 10 setembro de 2011. A submissão de trabalhos em GT's podem ser realizadas até 23 de fevereiro de 2011. Visite o site do evento, clicando aqui: http://www.alas2011recife.com/




Abaixo, convocatória reproduzida do site do evento:

No ano de 2011 a ALAS completa 60 anos de existência na renovação contínua de seus congressos. Nesta trajetória, constituiu-se numa referência importante para o pensamento crítico latino-americano e continua a sê-lo no momento presente. Neste século XXI, os desafios da América Latina e do Caribe na organização de um planeta mais equitativo, justo e plural vêm se ampliando, colocando-nos novos desafios.

A crise global vem obrigando a América Latina a renovar sua compreensão sobre si mesma e sobre o mundo, sobretudo quando ela passa a ser vista pelas forças progressistas, em nível mundial, como um lócus renovador, por excelência, dos movimentos sociais, políticos, culturais e intelectuais. Também, a América Latina é fonte de recursos naturais e ambientais fundamentais para a sobrevivência da espécie humana, o que é decisivo em uma conjuntura mundial de escassez de alimentos e fontes energéticas. Nesta mesma direção, é de se ressaltar que o português e o espanhol constituem em conjunto as bases de uma importante comunidade lingüística que ancora parte significativa da produção cultural mundial.

A percepção do significado da América Latina nas atuais reconfigurações do mapa mundial é tarefa que urge e chama à reflexão esta comunidade de sociólogos ao lhes propor revisões de seus paradigmas, reconhecidos, enfim, como tendo se pautado em binarismos que pouco ajudam à compreensão dos processos híbridos, das liminaridades, das tensões, das fronteiras, das criações que têm seu lugar num continente que não se explica unicamente por meio dos manuais secularmente consagrados. A nós é exigido o esforço hercúleo de legitimar narrativas ainda inéditas sobre nós mesmos.

Ora, ainda há muito que se fazer para nos percebermos como “nós”, latinos, e favorecer a ampliação do leque de atores e pesquisadores que interrogam a América Latina. Há desafios importantes para se avançar numa práxis teórica renovadora que articule o pensamento e a ação, que coordene as instituições sociais, políticas, culturais, artísticas, econômicas e jurídicas com vistas à produção de um pensamento democrático e plural contemplando o local, o nacional, o pós-nacional, transnacional e suas metamorfoses. Entre as áreas a serem incorporadas ao pensamento latino-americano há de se ressaltar os estudos sobre as regiões da América Latina que permanecem ainda não suficientemente discutidas, a exemplo do norte e o nordeste da América do Sul, entre outras. Essas regiões são palco de profundas transformações sócio-econômicas, culturais e ambientais que têm impacto sobre o conjunto da América Latina, e, igualmente, de importantes mobilizações políticas e intelectuais voltadas para questionar em profundidade as raízes das desigualdades e injustiças sociais em planos diversos: étnico, econômico, de gênero, geracional e religioso. Há de se interrogar e contrapor, pois, com certa urgência, os vários campos de saberes e experiências liberadoras que ocorrem dentro e fora dessas regiões.

sábado, 20 de novembro de 2010

Wright Mills: "A imaginação sociológica"

De tempos em tempos parece necessário resgatar alguns conceitos históricos desenvolvidos por sociólogos para que não caiam no esquecimento ou para que não tenham seu sentido desviado. Nos anos 1960, Wright Mills, sociólogo da tradição crítica norte-americana, desenvolveu o conceito de "imaginação sociológica", que ajudou muitos de seus alunos na época a se engajarem nos mais diversos movimentos sociais que emergiram naquele contexto agitado, além de questionarem as razões para uma Guerra com o Vietnã.

Wright Mills (1969) descreve o pensamento sociológico como uma prática criativa, que define como “imaginação sociológica”. Essa prática criativa seria a tomada de consciência sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade mais ampla. Trata-se da capacidade de conectar situações da realidade, como os interesses em disputa, percebendo que a sociedade não se apresenta de determinada forma por acaso. Essa conscientização derivada do conhecimento sociológico permite que todos (não apenas os sociólogos por formação) compreendam as ligações existentes entre o ambiente social pessoal imediato e o mundo social impessoal que circunda e que colabora para moldar as pessoas. Resgatando elementos específicos elaborados pelos pensadores sociais mais clássicos, Mills (1969) aponta como um elemento-chave dessa “imaginação sociológica” a capacidade de poder visualizar a sociedade com um certo sentido de distanciamento, em vez de fazê-lo apenas da perspectiva das experiências pessoais e das pré-concepções culturais.


A “imaginação sociológica” é um ato que permite ir além das experiências e observações pessoais para compreender temas públicos de maior amplitude. O divórcio, por exemplo, é um fato pessoal inquestionavelmente difícil para o marido e para a esposa que se separam, bem como para os filhos. Entretanto, o uso da “imaginação sociológica” permite compreender o divórcio não apenas como problema pessoal individual, mas também como uma preocupação social. O aumento da taxa de divórcio redefine uma instituição fundamental – a família. Com a perspectiva da “imaginação sociológica”, Mills (1969) vai propor como possibilidade da sociologia permitir que o indivíduo relacione sua biografia com a realidade histórico-social, permitindo, assim, a conscientização do agente. Desta forma, poder-se-ia argumentar que o conhecimento sociológico pretende implementar o aprendizado tradicional, independentemente da futura profissionalização dos sujeitos. O sentido seria o de oferecer um instrumental analítico-reflexivo, forjado em todos os cidadãos. Cabe salientar que a “imaginação sociologia” não consistiria simplesmente em aumentar o grau de informação das pessoas, mas: "O que precisam, o que sentem precisar, é uma qualidade de espírito que lhes ajude a usar a informação e a desenvolver a razão, a fim de perceber, com lucidez, o que está ocorrendo no mundo e o que pode estar acontecendo dentro deles mesmos" (MILLS, 1969, p. 11).

A utilização da “imaginação sociológica” se fundamenta na necessidade de conhecer o sentido social e histórico do indivíduo na sociedade e no período no qual sua situação e seu ser se manifestam. Mills também sugere que por meio da “imaginação sociológica” os homens podem perceber o que está acontecendo no mundo, e compreender o que acontece com eles, como minúsculos pontos de cruzamento da biografia e da história, na sociedade (MILLS, 1969, p. 14).

Como base nessa forma de reflexão, Schaefer (2006) entende que a “imaginação sociológica” é uma ferramenta que proporciona poder, que permite olhar para além de uma compreensão limitada do comportamento humano, ver o mundo e as pessoas de uma forma nova, através de uma “lente” mais potente que o olhar habitual. Pode ser algo tão simples como entender por que alguém com quem temos afinidades prefere música sertaneja ao hip-hop ou entender as diferenças culturais entre as populações do mundo.

MILLS, Wright C. A imaginação sociológica. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969. 246p.

SCHAEFER, Richard T. Sociologia. 6ª edição. São Paulo: McGraw-Hill, 2006.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Jornal da Globo: Gerações no mercado de trabalho

Excelente série de reportagens produzidas pelo Jornal da Globo sobre as Gerações no mercado de trabalho, exibida entre 15 e 19 de novembro de 2010. As matérias descrevem o perfil das gerações Baby Boomers (BB), X, Y e Z e como suas atitudes nos locais de trabalho podem produzir conflitos de interesses e de intenções entre os profissionais. Da mesma maneira, pode-se perceber as diferenças nas expectativas profissionais que são criadas pelas pessoas formadas em diferentes épocas e contextos e como suas atitutes podem ser complementares para ampliar as vantagens competitivas das firmas. Assista na sequência.









Congresso Brasileiro de Sociologia, Curitiba, 26-29 de julho de 2011, UFPR

Encerram no próximo dia 25 de novembro as inscrições de trabalhos para os GT's do XV Congresso Brasileiro de Sociologia: "Mudanças, Permanências e Desafios Sociológicos", promovido pela Sociedade Brasileira de Sociologia. Para maiores informações, clique neste link: http://www.sbs2011.sbsociologia.com.br/




O próximo Congresso da SBS acontecerá de 26 a 29 de julho de 2011, no campus da UFPR, Curitiba (PR), Brasil. O processo de inscrição de trabalho nos GTs, bem como a lista dos grupos de trabalho programados para o XV Congresso estão disponíveis no site do evento.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O clube do imperador (Emperor's club), de Michael Hoffman, EUA, 2002

Emperor's club, de Michael Hoffman, é um bom filme, com conteúdo interessante para ser ministrado em aulas de formação de professores. O filme ambientando em um colégio interno para rapazes conta a história de um professor chamado Hundert (Kevin Kline) que organiza o “Clube do Imperador”, uma competição sobre conhecimentos em história greco-romana. Em suas aulas, o mestre tenta moldar a personalidade dos alunos a partir de exemplos virtuosos de importantes personagens históricos. Porém, o professor dedicado vê sua crença nos princípios éticos e morais da educação abalados quando se depara com um aluno arrogante e trapaceiro, Sedgewick Bell (Emili Hirsch), filho de um senador milionário e sem escrúpulos. O professor se coloca o desafio de recuperar o garoto e acaba, desonestamente, forjando uma classificação no concurso (Clube do Imperador), desviando-se de seu caráter reto para tentar aproximar-se do garoto e passar-lhe seus conceitos morais. Será possível aos professores através de suas atitudes modificar o futuro de seus alunos? Até que ponto o convívio diário com os professores pode influenciar o caráter e as atitudes dos estudantes? Percebendo, porém, que apesar de alguns poucos avanços não consegue mudar o caráter do aluno, o professor entra em um conflito interno sobre o que são vitórias e derrotas. Esse conflito se torna mais profundo quando se decepciona, ao perceber que, mesmo entre os mestres da escola, a esperteza se sobrepõe tanto a retidão de caráter quanto a honestidade. Quando chega sua chance de galgar o cargo máximo, é preterido como diretor. A escolha recai sobre alguém bem mais jovem que ele e que tinha como principal habilidade conseguir dinheiro para sustentar o colégio. O roteiro do filme permite perceber que o caráter e a personalidade das pessoas são capitais sociais forjados na trajetória de vida dos sujeitos e que, no decorrer da vida, os meios podem interferir, porém, nem sempre podemos garantir que se possa atingir aquilo a que almejamos com nossas convicções pedagógicas.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Desmistificando a origem dos votos que elegeram Dilma Rousseff

A continuidade dos avanços sócio-econômicos do governo do presidente Lula e um governo voltado para todas as camadas e todos os grupos sociais parece ser o fator principal da eleição da candidata governista ontem. Qualquer insinuação de que a petista Dilma Rousseff foi eleita apenas em razão da vantagem aplicada nas regiões Norte e Nordeste é falsa. Levantamento com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela que ela ganharia a eleição mesmo se fossem computados apenas os votos do Sudeste, do Sul e do Centro-Oeste. Os dados abaixo são do portal Globo.com e G1.



Dilma teve mais de 55 milhões de votos no país; Serra teve pouco mais de 43 milhões. No Nordeste, a vantagem de Dilma foi de 18 milhões de votos, contra 7 milhões do tucano. Parece evidente que tamanha desproporção nos votos da região Nordeste em favor de Dilma representam o reconhecimento de avanços em uma região que por muito tempo foi esquecida pelas políticas públicas federais.

Fato político: Brasil elege a primeira mulher presidente

Ontem, 31 de outubro de 2010, o Brasil elegeu a primeira mulher presidente de sua história, com 55.752.508 votos (56,05% dos votos válidos) Num pronunciamento de estadista, proferido logo após o anúncio da vitória nas urnas, a presidenta Dilma Rousseff fala em igualdade, democracia, liberdade de imprensa e de culto, aliados políticos, tolerância e respeito à oposição, economia, combate a corrupção e a pobreza.



sábado, 30 de outubro de 2010

Lançamento do Livro "Sociologia e Administração: relações sociais nas organizações", pela Editora Elsevier



Este livro foi pensado para suprir as necessidades de um curso completo de Sociologia aplicada à Administração, percorrendo um amplo espectro de temas clássicos e contemporâneos. Com o intuito de oferecer a professores e alunos uma obra que contemplasse conteúdos que consideramos essenciais ao tratamento do tema, convidamos professores de outras instituições a colaborarem com este livro, apresentando, assim, um rico e diversificado conjunto de visões, nem sempre convergentes, mas por isso mesmo, valioso.

No capítulo “Marx, Weber e Durkheim: Quadro comparativo sobre o pensamento dos autores clássicos da sociologia”, Daniel Gustavo Mocelin e Lucas Rodrigues Azambuja, elaboraram um quadro que apresenta de forma geral e sumária as abordagens dos autores clássicos da sociologia, propondo facilitar de forma didática a “comparação” entre os autores. No texto também definimos o conceito de dialética do pensamento, que pode ser aplicado a qualquer autor. Como trata-se de uma quadro síntese, cabe ao leitor, segundo o seu interesse pessoal, buscar as especificidades referentes aos autores e às temáticas mencionadas, a partir de leitura dos textos originais ou interpretações, bem como cabe ao leitor articular as dimensões do quadro (expressa nas linhas), e construir uma reflexão combinada com as colunas, compreendendo as questões de maneira integrada. Longe de ser “reducionista”, o quadro propõe ser um guia temático e prático, expondo as abordagens de forma introdutória, portanto, sintética. O quadro pode ser lido tanto no sentido vertical, quanto no sentido horizontal, bem como focalizando os tópicos específicos. Os elementos presentes nas linhas e colunas podem ser lidos independentemente, mas também em conjunto, pois se implicam reciprocamente. Muitas explicações sobre uma dimensão poderá estar em outra. A primeira linha do quadro apresenta o contexto histórico comum aos três autores, destacando eventos e processos simultâneos que caracterizaram o ambiente de influência e o objeto de interpretação dos três clássicos. A partir da segunda linha definimos o contexto mais restrito a cada um dos autores, delimitando as condições históricas mais singulares de importante influência no pensamento de cada um dos autores; a influência intelectual, filosófica e teórico-metodológica; o foco de análise e objetos de investigação; a concepção de ciência e a de conhecimento social; a relação entre sociedade e indivíduo; a visão da história; as idéias importantes, dando destaque aos principais postulados teóricos; a noção de mercado; a metodologia, destacando, respectivamente a denominação do método e os procedimentos metodológicos sugeridos pelos autores para a apreensão da realidade social; a ideia da divisão do trabalho social; as inclinações políticas; e as principais obras dos autores, referindo o ano de sua produção.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

HABERMAS: Desenvolvimento da Moral e Identidade do Eu

Na obra Para a reconstrução do materialismo histórico, Habermas esboça a tese de que seria possível estabelecer uma homologia entre o desenvolvimento individual e a evolução social para superar o paradigma dos modos de produção e revitalizar a teoria crítica. Habermas baseia-se numa lógica segundo a qual ocorrem mutações nas estruturas normativas (valores, idéias morais, normas), que dependem tanto dos processos histórico-culturais quanto dos processos de aprendizagem. Os processos de aprendizagem seriam respostas aos desafios impostos por processos histórico-culturais, produzindo formas de interação cada vez mais maduras. A teorização habermasiana, em oposição ao pessimismo de Weber (expansão da racionalidade instrumental) e Adorno (fim do sujeito), aborda tanto a evolução do saber técnico-organizativo, que ocorre no sistema, quanto a evolução do saber prático-moral, que ocorreria no mundo-da-vida.

Diferentes níveis de aprendizado, relacionados aos níveis de organização moral e política, não correspondem às novas formas de organização da produção material, e, sim ‘a graus de desenvolvimento da consciência moral que correspondem aos níveis de competência interativa’.

Enquanto Marx localizou os processos de aprendizagem evolutivamente relevantes na dimensão do pensamento objetivante, do saber técnico e organizado, do agir instrumental e estratégico – em suma, das forças produtivas –, emergiram nesse meio tempo boas razões para justificar a hipótese de que, também na divisão da convicção moral, do saber prático, do agir comunicativo e da regulamentação consensual dos conflitos de ação, têm lugar processos de aprendizagem que se traduzem em formas cada vez mais maduras de integração social, em novas relações de produção, que são as únicas a tornar possível, por sua vez, o emprego de novas forças produtivas. (p. 21)

A sugestão do autor é a de deslocar da produção (que está no nível material) para a interação (que está no nível ideal) – lingüisticamente mediada – a motivação humana para a busca da convivência social e da evolução da espécie. Habermas estabelece entre os processos de aprendizagem individual e social uma circularidade: os indivíduos só podem desenvolver competência interativa e lingüística dominando as estruturas de racionalidade que já se encontram presentes em seus grupos primários/secundários, assimilando as idéias morais e as estruturas de justiça e verdade; as sociedades, por sua vez, só podem ser modificadas através do aprendizado construtivo dos indivíduos socializados. Para Habermas, o processo evolutivo da sociedade não se apóia, como indicava Marx, na contradição dialética entre forças produtivas materiais e relações de produção. As forças produtivas desenvolvem-se e as formas de integração social amadurecem de acordo com o desenvolvimento dos sujeitos tanto no nível do saber e do agir técnico-estratégico (razão instrumental e estratégica) como no do saber e do agir prático, moral e comunicativo (razão comunicativa). Nessa abordagem, o processo evolutivo da sociedade dependeria do desenvolvimento das capacidades e competências dos indivíduos que a ela pertencem. Habermas sugere, portanto, uma análise reconstrutiva da lógica do desenvolvimento da sociedade para superar a filosofia da história marxiana: “abandona” o “paradigma da filosofia da consciência”, baseado na práxis produtiva e na classe social, que buscava potenciais de emancipação na esfera da produção, substituindo-o (ou complementando-o) pelo “paradigma da comunicação”, baseado no entendimento intersubjetivo, entre sujeitos capazes de falar e agir, buscando potenciais de emancipação na esfera da interação.

No capítulo Desenvolvimento da moral e identidade do Eu, o autor vai enfatizar o desenvolvimento individual numa perspectiva sociológica, ou seja, se distanciando do desenvolvimento natural do Eu e embarcando no desenvolvimento sócio-moral do Eu. “Os conceitos-base psicológicos e sociológicos podem se articular porque as perspectivas do Eu autônomo e da sociedade emancipada neles esboçadas se corrigem e se implicam reciprocamente” (p. 50-51). Para elaborar seu argumento neste sentido, parte de três tradições teóricas que buscaram compreender a formação do Eu: a psicologia analítica do Eu (Sullivan, Erickson), a psicologia cognoscitiva do conhecimento (Piaget, Kholberg) e o interacionismo simbólico (Mead, Blumer, Gofmann). Os elementos comuns sobre o desenvolvimento individual nestas tradições seriam:

Primeiro, a capacidade lingüística e de ação do sujeito adulto é o resultado de processos de amadurecimento e aprendizagem; Segundo, o processo de formação de sujeitos capazes de linguagem e de ação percorre uma série irreversível de estágios de desenvolvimento discretos e cada vez mais complexos – nenhum estágio pode ser saltado e cada estágio superior implica o precedente; Terceiro, o processo de formação se dá de forma descontínua e é marcado por crises. Ter experimentado a solução produtiva de uma crise é condição necessária para dominar crises subseqüentes; Quarto, o Eu adquire crescente “autonomia” (independência) nas relações com a realidade, com a estrutura simbólica não objetivada de uma sociedade parcialmente interiorizada e com a natureza interna dos carecimentos culturalmente interpretados; Quinto, a identidade do Eu indica a competência do sujeito capaz de linguagem e de ação para enfrentar exigências. A identidade é gerada pela socialização, ou seja, se processa a medida em que o sujeito – apropriando-se dos universos simbólicos – integra-se num sistema social, enquanto que, mais tarde, ela é garantida e desenvolvida pela individualização, ou seja, precisamente por uma crescente independência com relação aos sistemas sociais; Por último, um mecanismo relevante de aprendizagem é a transformação de estruturas externas em internas.

A organização autônoma do Eu não se instaura de forma regular, como um processo natural. O processo de construção do Eu se caracteriza pela descentração progressiva do próprio Eu e pela sua delimitação em face da objetividade da natureza externa e do mundo social. Em sua tese sobre o desenvolvimento individual, Habermas enfatiza o aspecto cognoscitivo da consciência moral, ou seja, a capacidade reflexiva e de juízo moral dos indivíduos. No desenvolvimento moral decorrem processos de aprendizagem que são possíveis devido ao amadurecimento de estruturas cognitivas, construídas na interação do sujeito com o meio, as quais são fortemente ligadas a processos motivacionais e afetivos, que estão na base das inter-relações pessoais. As experiências do indivíduo (vivência) no decorrer da sua vida, em interação com a realidade sócio-cultural, bem como as motivações e emoções, que também são parte integrante de suas experiências, são elementos determinantes na formação de estruturas cognitivas e combinações que as estruturas cognitivas possibilitam, que impulsionam ou retêm a passagem para um plano superior do desenvolvimento moral. O desenvolvimento do Eu ocorreria em quatro estágios: simbiótico (não há distinção entre o si e o mundo, quando desenvolve a reflexividade), egocêntrico (distinção entre o si e o mundo, quando desenvolve a abstração), sociocêtrico-objetivista (assumir o papel do outro, quando desenvolve a diferenciação), e universalista (participação em discursos teóricos e práticos, quando desenvolve a generalização).

O autor se baseará nos níveis de desenvolvimento moral formulados por Kholberg. Cada nível compõe-se de dois estágios, sendo o segundo estágio alcançado através de um processo de reflexão sobre o primeiro. Cada novo estágio pressupõe uma reorganização das estruturas presentes nos estágios inferiores, o que significa a transformação na percepção e no julgamento de ações e a aquisição de novas formas de resolver conflitos morais.

I Nível: pré-convencional: A criança é capaz de responder a regras culturais e as noções de bom e mau, justo e errado, mas interpretando tais noções nos termos das conseqüências físicas ou hedonísticas da ação. Estágio 1: Orientação por punição e obediência. As conseqüências físicas da ação determinam se ela é boa ou má, independente da opinião ou do valor humano de tais conseqüências. Estágio 2: Orientação instrumental-relativista. A ação justa consiste no que satisfaz instrumentalmente os próprios carecimentos e, ocasionalmente, os carecimentos dos outros. Segundo Habermas, neste nível as orientações são generalizadas pelo prazer/desprazer. Os atores não estão ainda inseridos no universo simbólico. Em relação à percepção dos componentes cognoscitivos das qualificações de papel, o ator deve entender e satisfazer expectativas singulares de comportamento por parte de um outro. Quanto à percepção das componentes motivacionais das qualificações gerais de papel o ator não distingue entre causalidade natural e causalidade segundo a liberdade. Outra dimensão é a percepção de uma componente das qualificações gerais de papel; neste nível, o ator percebe os atores e ações independentes do contexto.

II Nível: convencional: O fato de satisfazer as expectativas da família, do grupo ou da nação a que o indivíduo pertence é percebido como algo avaliável pelo seu direito intrínseco, prescindindo-se das conseqüências óbvias e imediatas. É uma aptidão não só de conformar-se as expectativas pessoais e a ordem social, mas de lealdade face a ela. Estágio 3: A concordância interpessoal ou a orientação “bom moço – moça bem comportada”. Um bom comportamento é o que agrada ou ajuda os outros e é por eles esperado e aprovado. Estágio 4: Orientação “lei e ordem”. Há uma orientação no sentido de autoridade dos papéis fixos e da manutenção da ordem social. O comportamento justo consiste em cumprir o próprio dever, em mostrar respeito pela própria autoridade e em manter a ordem social dada em nome dessa mesma ordem. Segundo Habermas, neste nível, a identidade é liberada da ligação com a manifestação corpórea dos atores. Na medida em que a criança incorpora as universalidades simbólicas de poucos papéis fundamentais de seu ambiente natural e, posteriormente, as normas de ação de grupos mais amplos; superpõe-se à identidade natural a identidade de papel sustentada por símbolos. Quanto à percepção dos componentes cognoscitivos das qualificações de papel, o ator deve ser capaz de entender e satisfazer expectativas singulares de comportamento reflexivo, ou deve ser capaz de desviar-se delas. Outra dimensão é a percepção de uma componente das qualificações gerais de papel, na qual o ator distingue entre as ações singulares e as normas, e entre os atores e portadores de papéis.

III Nível: pós convencional: Há um claro esforço no sentido de definir os valores e os princípios morais que tem validade e aplicação independentemente da autoridade dos grupos ou das pessoas que os sustentam e do fato de que o próprio indivíduo se identifique com tais grupos. Quanto à percepção das componentes motivacionais das qualificações gerais de papel, o ator deve saber distinguir entre ações obrigatórias e ações puramente desejadas. Estágio 5: A orientação legalista social-contratual. Geralmente com acentuações utilitárias. A justiça tende a ser definida em termos de direitos individuais. Há uma clara consciência no relativismo de valores e das opiniões pessoais e uma correspondente acentuação das regras de procedimento capazes de obter o consenso. Estágio 6: A orientação no sentido de princípios éticos universais. O que é justo é definido pela decisão tomada pela consciência, de acordo com princípios éticos autonomamente escolhidos, os quais apelam a compreensividade lógica, a universalidade e a consistência. Neste nível, os portadores de papéis se transformam em pessoas, que podem afirmar a própria identidade independentemente dos papéis concretos e de sistemas particulares de normas. O jovem já é capaz de distinguir entre as normas e os princípios segundo os quais é possível produzir normas, adquirindo a capacidade de julgar segundo princípios. A identidade do papel é substituída pela identidade do Eu. Quanto à percepção dos componentes cognoscitivos das qualificações de papel, o ator deve poder compreender e aplicar normas reflexivas. Quanto à percepção das componentes motivacionais das qualificações gerais de papel o ator deve distinguir entre heteronomia e autonomia, ou seja, perceber a diferença entre normas herdadas e normas justificadas por princípios. Neste nível as normas particulares devem ser tematizadas sob o angulo da sua capacidade de ser generalizadas, de modo que se torne possível distinguir entre normas particulares e gerais. Os atores são compreendidos como sujeitos individualizados que organizam biografias respectivamente inconfundíveis.

Transição entre os estágios, ruptura com o estágio anterior: No nível I só podem se tornar moralmente relevantes ações concretas e conseqüências de ações. Quando ocorre a reciprocidade incompleta atinge-se o estágio 1, na reciprocidade completa, o estágio 2. No nível II, quando se exige reciprocidade incompleta para expectativas de comportamento, atinge-se o estágio 3, a mesma exigência em face de sistemas de normas conduz ao estágio 4. Quando os carecimentos relevantes para a ação podem se manter fora do universo simbólico, as normas de ação lícitas e universalistas têm então o caráter de regras para a maximização do útil e de normas jurídicas universais temos o estágio 5. Quando os carecimentos são entendidos em sua interpretação cultural, mas atribuídos aos indivíduos como qualidades naturais, ocorre o estágio 6.

Ao assumir que a sucessão dos estágios da consciência moral representa teoricamente uma conexão estruturada pela lógica do desenvolvimento, Habermas menciona, primeiro, as estruturas do agir comunicativo que, introduzidas de acordo com o aprendizado da criança, servem de elemento indispensável para que se percebam os conflitos morais; em segundo lugar, trata da aquisição das competências cognitivas que possibilitam a realização de interações as quais, inicialmente incompletas, possam completar-se no processo de desenvolvimento; e por fim, assinala as condições comunicacionais que viabilizam a passagem do agir comunicativo para o estágio do discurso. Habermas identifica ainda um sétimo estágio, quando o princípio que justifica as normas não é mais o princípio monologicamente aplicável da capacidade de generalização das mesmas, mas o procedimento comunitariamente seguido para emprestar realização discursiva às pretensões de validade normativa.

O desenvolvimento do Eu é marcado por uma crescente autonomia em termos da independência com que o Eu resolve problemas. “Na identidade do Eu se expressa a relação paradoxal pela qual o Eu, como pessoa em geral, é igual a todas as outras pessoas, ao passo que – enquanto indivíduo – é diverso de todos os demais indivíduos” (p. 69). Para Habermas a identidade do Eu se efetiva na relação dialética do sujeito com o outro, ou seja, na intersubjetividade. “A identidade do Eu significa uma liberdade que (...) põe limites a si mesma” (p. 72). A noção de subjetividade ocorre no social: o homem só adquire consciência de si mesmo através do outro, ao desenvolver uma interação reflexiva através da linguagem, e em relação com e na construção de um mundo objetivo. Para Habermas, o Eu autônomo e competente refere-se ao sujeito que atingiu cognitivamente, o estágio pensamento hipotético-dedutivo (Piaget); lingüisticamente, o estágio da fala argumentativa; moralmente, o estágio pós-convencional (Köhlberg); e interativamente, a habilidade de assumir a perspectiva dos outros, examinando sua própria ação e interação à luz da reciprocidade de direitos e deveres (Mead).

Ao enfatizar o potencial emancipatório no mundo-da-vida, onde se dão os processos de interação, Habermas aponta para a formação do sujeito como um processo de aquisição crescente da competência interativa. A competência interativa é a capacidade dos indivíduos em resolver certas classes de problemas realmente relevantes, sejam esses de ordem empírico-analítica ou prático-moral: consistiria na capacidade de participar em sistemas de ação cada vez mais complexos, onde poderiam questionar as “pretensões de validade” embutidas na estrutura normativa e, através da argumentação, buscar o entendimento sobre a validade das normas. Os sujeitos dotados de competência interativa têm o compromisso de assumir, para dirimir eventuais conflitos, um ponto de vista capaz de efetivar consenso, “porém somente poderão se encontrar unidos em torno desse ponto de vista fundamental, se tal ponto de vista resultar das estruturas de interação possíveis”.

Os sujeitos dotados de competência interativa (tanto cognitiva, como lingüística, moral e motivacional) seriam capazes de reconstruir o universo simbólico através da busca argumentativa e processual da verdade; de questionar o sistema de normas que vigora na sociedade; de buscar novos princípios normativos para a ação individual e coletiva à base do melhor argumento e, conseqüentemente, de reorganizar sua sociedade em outras bases fundadas na interação que ocorre no mundo-da-vida. Essa lógica tomaria maior potencialidade no seio de um processo crescente de complexificação e de diferenciação funcional da ordem social (até o capitalismo tardio) uma vez que esse processo engendraria também uma progressiva capacidade de aprendizado e desenvolvimento da consciência moral. Frente a um mundo externo cada vez mais complexo e diferenciado, a competência interativa seria intensificada, segundo padrões cada vez mais diversos da realidade objetiva e gerando na interação abstrações cada vez mais abrangentes.

Comentários com base no texto:
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. Desenvolvimento da moral e identidade do eu (Texto original de 1974-6). São Paulo: Editora Brasiliense, 1990. (pp. 49-73).

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Lévi-Strauss: Eficácia simbólica, interação social e xamanismo

Xamã é uma figura social que significa alguém que sabe, um sábio. O xamanismo é uma expressão concreta daquilo que Lévi-Strauss define como eficácia simbólica, que implica processos de interação social.

“...As raízes do xamanismo são arcaicas, e alguns antropólogos chegam a pensar que elas recuam até quase tão longe quanto a própria consciência humana.As origens do xamanismo datam de 40.000 a 50.000 anos, na Idade da Pedra. Antropólogos têm estudado xamanismo nas Américas; do Norte, Central, Sul. Na África, entre os povos aborígines da Austrália, entre os Esquimós, na Indonésia, Malásia, Senegal, Patagonia, Sibéria, Bali, Velha Inglaterra e ao redor da Europa, no Tibet onde o xamanismo Bon segue a linha do Budismo Tibetano, em todos os lugares ao redor do mundo. Seus traços estão presentes nas Grandes religiões”. (Leo Artese)



No artigo “o feiticeiro e sua magia”, Lévi-Strauss apresenta relatos etnográficos onde procura mostrar os mecanismos psico-fisiológicos embutidos dentro do processo de construção daquilo que chama eficácia simbólica. Durante o artigo, Strauss vai nos remeter a relatos onde procura apresentar sua concepção a partir do método estrutural. A idéia é de que o feiticeiro não seria “tanto” (quanto ele parece a primeira vista) porque ele apenas realiza a cura. Na própria concepção de feiticeiro do grupo está embricada a idéia de poder que causa alguma coisa. Seria um tipo de “carisma” transportado do grupo para um indivíduo, embasado totalmente sobre seu inter-relacionamento. Lévi-Strauss inicia sua argumentação para a compreensão do processo da eficácia simbólica a partir de um artigo de W.B. CANNON, “Voodoo Death”, de 1942, onde relata que

“um indivíduo, consciente de ser objeto de um malefício, é intimamente persuadido, pelas mais solenes tradições de seu grupo, de que está condenado; parentes e amigos participam desta certeza. Desde então a comunidade se retrai: afasta-se do maldito, conduz-se a seu respeito não só como se fosse, não apenas já morto, mas fonte de perigo para seu grupo. (...) o enfeitiçado cede à ação combinada de intenso terror que experimenta, da retirada súbita total dos múltiplos sistemas de referência fornecidos pela convivência do grupo. (...) A integridade física não resiste à dissolução da personalidade social".



A psicologia do feiticeiro é um processo complexo que liga três elementos básicos: o xamã, o doente e o público. São três elementos indissociáveis que envolvem esse complexo xamanístico. Mas vê-se que eles se organizam em torno de dois pólos, formados, um pela experiência íntima do xamã, o outro pelo consensus coletivo. Não existe razão para duvidar, efetivamente, que os feiticeiros, ou ao menos os mais sinceros dentre eles, acreditam em sua missão. O xamã não é completamente desprovido de conhecimentos positivos e técnicas experimentais. É provável que os médicos primitivos, do mesmo modo que seus colegas civilizados, curem pelo menos uma parte dos casos de que cuidam, e que, sem esta eficácia relativa, os usos mágicos não poderiam conhecer a vasta difusão que os caracteriza. Acreditamos nos médicos de hoje por causa de seu mana, sua reputação. É um caso semelhante ao do xamã. Ele só cura porque é tido como um grande feiticeiro. Quesalid não se tornou um grande feiticeiro porque curava seus doentes, ele curava seus doentes porque tinha se tornado um grande feiticeiro. Este é o polo coletivo do sistema. Os rivais de Quesalid derrocaram, tornando-se motivo de chacota por sua vergonha, sentimento social por excelência. Isto é o desaparecimento do consensus social. Para STRAUSS

“o problema fundamental é, pois, o da relação entre um indivíduo e o grupo, ou; mais exatamente, entre um certo tipo de indivíduo e certas exigências do grupo.”

Nessa perspectiva, percebemos que as interpretações divergentes não são evocadas pela consciência individual, mas antes como fatores complementares de uma consciência coletiva. Para Lévi-Strauss, o par feiticeiro-doente encarna concretamente para o grupo um antagonismo próprio a todo o pensamento. O paciente aparece como passivo, alienado; o feiticeiro é atividade, extravasamento de si mesmo. A relação entre estes dois pólos opostos vai ser a cura, assegurando a passagem de um a outro, manifestando, numa experiência total, a coerência do universo psíquico, este projeção do universo social. A magia do processo readapta ao grupo problemas pré-definidos por intermédio do doente. O valor do sistema não se funda em curas reais que beneficiam indivíduos particulares; mas no sentimento de segurança trazido ao grupo pelo mito que fundamenta a cura, reconstituindo todo o seu universo dentro do sistema popular. É a assimilação de experiências informes e afetivas incorporadas na cultura do grupo que produzem o único meio de objetivar os estados subjetivos e formular impressões informuláveis, integrando experiências inarticuladas em sistema. A doença era uma desorganização cosmológica que afligia o grupo, e o xamã, cumprindo seu papel, reorganiza o grupo através da cura do paciente.

Reflexão com base no texto:
LÉVI-STRAUSS, Claude. O Feiticeiro e sua Magia. In: Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Lançamento do Livro "Sociologia e Administração: relações sociais nas organizações", pela Editora Elsevier



No referido livro apresentamos um capítulo que sintetiza e compara aspectos do pensamento dos autores clássicos da sociologia.

MOCELIN, Daniel Gustavo, AZAMBUJA, Lucas Rodrigues. Marx, Weber e Durkheim: Quadro comparativo sobre os autores clássicos da Sociologia. IN: PICCININI, Valmíria Carolina, ALMEIDA, Marilis Lemos de, OLIVEIRA, Sidinei Rocha de. Sociologia e Administração: Relações sociais nas organizações. 1ª ed. São Paulo: Campus/Elsevier, 2010. p. 32-42. (em impressão, lançamento em novembro de 2010)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Direto ao ponto 4: Concorrência como elemento do movimento dialético na obra de K. Marx?



"A concorrência se torna sempre mais destrutiva para as relações burguesas, na medida em que ela excita uma criação febril de novas forças produtivas, isto é, de condições materiais de uma sociedade nova. Sob essa relação, ao menos, o lado mau da concorrência teria algo de bom".

Karl Marx, em A miséria da filosofia (1847)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Robert Castel e a construção do indivíduo na sociedade moderna

Robert Castel apresenta sua concepção sobre a construção do indivíduo moderno em uma entrevista com a pesquisadora Claudine Haroche. Juntos, exploram a concepção de Castel segundo o qual a construção do indivíduo se desenvolveu a partir da consolidação dos suportes sociais que permitem a existência do indivíduo. Embora seja um diálogo, o que está em pauta é a concepção de Castel.

Castel sustenta uma abordagem centrada na análise das condições sociais objetivas que dotariam os homens da propriedade de si. A análise genealógica dessas condições o aproxima muito da concepção durkheimiana, relativa à anterioridade do social sobre o individual. A preocupação do autor é a de analisar as condições de emergência do sujeito e não especificamente trabalhar a emergência do sujeito. “Um indivíduo não existe em substância, e para existir como indivíduo é necessário ter suportes, e, portanto devemos nos interrogar sobre o que há “detrás” do indivíduo que o permita existir como tal (p. 12).



As condições sociais, ou suportes, a que se refere Castel, são sempre direcionadas à perspectiva da segurança e proteção social. O autor entende que apenas um indivíduo assegurado e protegido socialmente poderia desenvolver a propriedade de si, pois este indivíduo não dependeria de outros indivíduos. Ou seja, ser indivíduo positivamente seria estar no seio de uma sociedade, e ser parte dela, e por ser parte dela ser protegido dos acasos da existência. O que se subentende, portanto, é que o indivíduo liberta-se da dependência de outros indivíduos, não sendo mais propriedade de outros indivíduos, mas passa a legitimar a coerção da sociedade, tornando-se proprietários de si através de seu trabalho. Na sociedade, o indivíduo teria seus direitos garantidos, tornar-se-ia um cidadão. Desta maneira, o indivíduo passaria a depender da capacidade do Estado de garantir certas condições, e por isso o social o tornaria um indivíduo. A idéia é a de que os suportes necessários para existir e ser reconhecido como indivíduo só poderiam ser obtidos pela sociedade.

Castel entende que na modernidade ocorreu uma separação entre propriedade e trabalho, o que implicaria em pensar numa sociedade de proprietários e não-proprietários. Neste sentido, identifica que, primeiro, a propriedade privada, como enunciou Locke, poderia tornar o indivíduo proprietário de si. Os trabalhadores, devido à condição de não-proprietários, não gozavam de uma igualdade de fato, pois estavam despossuídos de si mesmos, pertencendo ao patrão. Não proprietários, nada poderiam ser. Com a falta da propriedade privada para um grande número de pessoas, a propriedade social representou uma inovação que permitiu a reabilitação dos não-proprietários para ascender à propriedade de si, pois a propriedade social outorgaria a seguridade e o reconhecimento pelo trabalho na condição de assalariado. Assim, as relações de trabalho foram estruturadas na sociedade salarial em torno de instituições do Estado. O trabalho assalariado permitiria o acesso aos suportes sociais a ele associados favorecendo a integração e a coesão social. Na sociedade salarial se poderia encontrar uma distribuição da propriedade social em que seria permitido aos indivíduos o exercício de fato de seus direitos de cidadão. Neste sentido, a propriedade social seria análoga da propriedade privada, ou seja, uma propriedade que gera segurança e proteção social.

Entende o autor que “Existir positivamente como indivíduo é ter a capacidade de desenvolver estratégias pessoais, dispor de uma certa liberdade de escolha na condição de sua própria vida porque não se encontra na dependência de outro” (p. 26). A propriedade de si dependeria da possibilidade de apropriar-se do próprio corpo, apropriar-se do tempo e pensar o próprio destino.

Comentários com base no texto:
CASTEL, Robert; HAROCHE, Claudine. Propriedad privada, propriedad social, propriedad de si: conversaciones sobre la construcción del indivíduo. 1ª Ed. Rosario: Homo sapiens, 2003.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Mais de 2500 visitas em quatro meses

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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFRGS mantém conceito de excelência internacional

O Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFRGS manteve o conceito 6 na última avaliação trienal da Capes 2007-2009, recentemente divulgada. Desta forma, o PPG Sociologia UFRGS se consolida como um centro de excelência na sociologia do país, em padrão internacional. Este resultado é fruto do trabalho desenvolvido pelos docentes e discentes do Programa, todos de parabéns, neste momento. A Avaliação dos Programas de Pós-graduação compreende a realização do acompanhamento anual e da avaliação trienal do desempenho de todos os programas e cursos que integram o Sistema Nacional de Pós-graduação, SNPG. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) divulgou nesta quarta-feira, 14 de setembro, o resultado da Avaliação Trienal dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu. A avaliação contou com a participação de 877 avaliadores com qualificação e competência técnico-científica nas suas respectivas áreas de conhecimento. Os avaliadores, organizados em 46 comissões de avaliação, analisaram os dados referentes ao período de 2007 a 2009 que foram informados pelos programas avaliados. Os resultados desse processo, expressos pela atribuição de uma nota na escala de "1" a "7" fundamentam a deliberação CNE/MEC sobre quais cursos obterão a renovação de "reconhecimento", a vigorar no triênio subseqüente. Além disso, a colocação na escala define a alocação de recursos e bolsas para os programas com maior nota. Foram avaliados 2.718 programas de pós-graduação que correspondem a 4.099 cursos sendo 2.436 de mestrado, 1.420 doutorados e 243 mestrados profissionais. Os programas de pós-graduação receberam notas numa escala de 1 a 7, sendo que: 1 e 2 indicam o descredenciamento do programa, enquanto notas 6 e 7 indicam desempenho de referência e de inserção internacional. Para programas que tenham apenas mestrado, 5 é a nota máxima. Do total de programas avaliados, 2,7% obtiveram notas 1 ou 2; 32% nota 3; 33,6% nota 4; 20,6% nota 5; 6,8% nota 6 e 4,1% nota 7. A proposta do programa, perfil do corpo docente e discente, produção intelectual e inserção social são itens extremamente relevantes do processo avaliativo da CAPES.

domingo, 19 de setembro de 2010

Direto ao ponto 3: Anthony Giddens




"À medida que ganham força, as mudanças (...) estão criando algo que nunca existiu antes, uma sociedade cosmopolita global. Somos a primeira geração a viver nessa sociedade, cujos contornos até agora só podemos perceber indistintamente. Ela está sacudindo nosso modo de vida atual, não importa o que sejamos. Não se trata – pelo menos no momento – de uma ordem global conduzida por uma vontade humana coletiva. Pelo contrário, ela está emergindo de uma maneira anárquica, fortuita, trazida por uma mistura de influências. [§] Ela não é firme nem segura, mas repleta de ansiedades, bem como marcada por profundas divisões. Muitos de nós nos sentimos presos às garras de forças sobre as quais não temos poder. (...) A impotência que experimentamos não é um sinal de deficiências individuais, mas reflete a incapacidade de nossas instituições [nação, família, trabalho, tradição]. Precisamos reconstruir as que temos, ou criar novas. Pois a globalização não é um acidente em nossas vidas hoje. É uma mudança de nossas próprias circunstâncias de vida. É o modo como vivemos agora. (GIDDENS, 2007 [1999], p. 28-29)"

GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós (1999). Tradução de Maria Luiza Borges. 6ª edição. São Paulo: Editora Record, 2007. 108p.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Direto ao ponto 2: Bruno Latour



"Há uma maneira contemporânea de pensar que pode ser definida como um “barateamento” da crítica ou uma trivialização do espírito crítico. A crítica tornou-se uma espécie de fundamentalismo semi-religioso que proclama “ver através” de tudo e descobrir, por trás do direito, da ciência, da religião, da política, as “verdadeiras forças” que trabalham escondidas e que só são reveladas pelos olhos dela mesma. É um “sociologismo” enlouquecido, a invenção de um além-mundo que explica tudo o que se passa neste mundo por revelar as forças ocultas, enquanto o resto de nós, coitado, vive na ilusão".

Entrevistas com Bruno Latour, Jornal Folha de São Paulo, Agosto e Setembro de 2004.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Norbert Elias: relações sociais, sociedade e individualização

Para compreendermos a sociedade é preciso que construamos modelos conceituais e que tenhamos uma visão global, mediante aos quais possamos tornar compreensível no pensamento aquilo que vivenciamos diariamente na realidade. Essa possibilidade nos foi fornecida pela teoria da Gestalt, a qual penetrou mais a fundo nesses fenômenos, ensinando-nos que o todo é diferente da soma de suas partes e que ela incorpora leis de um tipo especial, a qual não pode ser elucidada pelo exame de seus elementos isolados, ou seja, as unidades de potência menor dão origem a uma unidade de potência maior que não pode ser compreendida quando suas partes são consideradas em isolamento, independentemente de suas relações. Desta forma, só pode haver uma vida comunitária mais livre de perturbações e tensões se todos os indivíduos dentro dela gozarem de satisfação suficiente, e só pode haver uma existência mais satisfatória se a estrutura social pertinente for mais livre de tensão, perturbação e conflito. Assim temos que qualquer idéia que aluda a essa disputa é infalivelmente interpretada como uma tomada de posição a favor de um lado ou de outro, ou seja, como uma apresentação do indivíduo enquanto ‘fim” e da sociedade enquanto “meio”, ou uma visão da sociedade como o mais “essencial” ou “objetivo mais alto” e do indivíduo como “menos importante”, o “meio”. Toda concepção de Elias deixa presente e clara a idéia de que o indivíduo é uma construção histórica e datada. Ela começa a surgir com o renascimento, nos séculos XIV e XV, e se aprofunda ao longo do processo de formação da modernidade da humanidade no ocidente. Ele chamará de processo civilizador a tensão entre ordens e proibições sociais inculcadas como auto domínio e os instintos e inclinações controladas e recalcadas dentro do próprio ser humano. O peido é um exemplo de uma proibição externa que vai ser internalizada até uma proibição interna, algo que é constrangedor ao próprio indivíduo quando em sociedade. Ora, pare Elias o indivíduo é uma estrutura formada por relações sociais históricas internalizadas, onde os indivíduos que nascem já encontram uma sociedade pronta. O indivíduo é a expressão singular de uma construção histórica que permitiu a consciência da individualidade. Enquanto estrutura psicológica o indivíduo é uma invenção histórica, ou seja, uma estrutura que surge do processo civilizador. A estrutura e a configuração do indivíduo é fruto do controle comportamental que se impôs a partir de regras de civilização ditadas pelo convívio entre os indivíduos. Algo ritual é incorporado na estrutura mental como algo natural. Os sentimentos de vergonha, por exemplo, foram construídos historicamente. Pensamos que “ser humano” é comer com talheres, cagar no banheiro. Todas essas “coisas rituais” são socialmente “naturais”.

“O modo como essa forma realmente se desenvolve, como as características maleáveis da criança recém-nascida se cristalizam, gradativamente, nos contornos mais nítidos do adulto, nunca dependem exclusivamente de sua constituição, mas sempre da natureza das relações entre ela e as outras pessoas. (...) A individualidade que o ser humano acaba por desenvolver não depende apenas de sua constituição natural, mas de todo o processo de individualização.”(p.28)

A relação indivíduo/sociedade é tida como duas dimensões indissociáveis dos seres humanos em seu convívio. A idéia de que o indivíduo deve tudo a ele mesmo, a sua natureza e a mais ninguém, é uma construção que faz parte da formação da individualidade das sociedades modernas. Ora, a sociedade não produz apenas o semelhante e o típico mas também o individual em seu próprio processo de construção. Sob esta forma de conceber a sociedade temos que esta emerge em planos, de forma não planejada sendo movida por propósitos, mas sem uma finalidade. Norbert Elias busca compreender um processo de emergência do indivíduo como resultado de um desenvolvimento histórico. Há uma ordem oculta que conforma a vida em comum e que oferece uma gama mais ou menos restrita de funções e modos de comportamento possíveis, mas esta ordem não existe como uma substância fora dos indivíduos como acreditaram os funcional-estruturalistas. Para superar a dicotomia entre sociedade e indivíduo é preciso deixar de pensar em termos de substâncias isoladas e únicas e começar a pensar em termos de relações.


Comentários com base no texto:
ELIAS, Norbert. “A Sociedade dos Indivíduos”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p. 11-66

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Abertas inscrições para o XV Congresso Brasileiro de Sociologia

Estão abertas as inscrições em GT's e do Sociólogos do Futuro para o próximo Congresso da SBS "Mudanças, Permanências e Desafios Sociológicos", que acontecerá de 26 a 29 de julho de 2011, no campus da UFPR, Curitiba (PR), Brasil.
Maiores informações, no site do evento: http://www.sbs2011.sbsociologia.com.br/

terça-feira, 7 de setembro de 2010

XV Congresso Brasileiro de Sociologia abrirá inscrições em breve!

O próximo Congresso da SBS acontecerá de 26 a 29 de julho de 2011, no campus da UFPR, Curitiba (PR), Brasil. O processo de inscrição de trabalho nos GTs, bem como a lista dos grupos de trabalho programados para o XV Congresso, serão disponibilizados nos próximos dias. As inscrições para o Sociólogos do Futuro estão abertas.



O tema do evento é Mudanças, Permanências e Desafios Sociológicos. Abaixo reproduzo a carta sobre o tema do evento, conforme publicada no site:

"A Sociologia está baseada em uma firme tradição teórica e um consistente legado metodológico, ao mesmo tempo, que lida com questões contemporâneas que estão em permanente mutação. Dessa forma, somos desafiados a refletir de diversas maneiras sobre novos temas e novas formas de pensar que se impõem pela dinâmica da vida social. O tema do XV Congresso Brasileiro de Sociologia pretende debater esta articulação entre a tradição e as transformações, inerentes ao objeto de estudo da nossa disciplina que são as relações sociais. A Sociologia é uma ciência da atualidade e lida com a articulação entre elementos da vida social, que se mantém ao longo da história de nossas sociedades, e as novas configurações que se impõem pela ação humana. Desse modo, ela se transforma como ciência porque precisa incorporar novas perspectivas e novas formas de compreensão da realidade. Essa convivência entre o antigo e o novo, entre estruturas e agências, é inerente à própria vida social. Nosso mundo se move entre transformações e continuações... A Sociologia espelha seu objeto de estudo, que é a sociedade – em sua tensão entre as permanências e as mudanças. Ao comemorar seus 60 Anos em 2009, a SBS demonstrou a vitalidade desta ciência disposta a compreender e incorporar novos atores e novas questões, fornecendo as bases objetivas para a comunicação entre seu passado e seu futuro – aqui com a participação de jovens pesquisadores e estudantes. Nossa associação têm sido marcada pela disposição em incorporar contribuições das diferentes gerações de sociólogos, bem como em envolver a Sociologia em suas fronteiras disciplinares. Recuperando a história de nossa associação percebemos que sua institucionalização foi fortemente afetada pelos processos sociais e políticos que marcaram o século XX no Brasil, que levou a sua criação e recriação em diferentes momentos demonstrando a capacidade de invenção e resistência da nossa disciplina. Nesse congresso teremos uma oportunidade de avaliar e refletir sobre a constituição destes novos temas, posto que estaremos abertos para a proposição de GT’s, Mesas, Fóruns e Sessões Especiais que certamente expressam o que tem se produzido de mais expressivo na Sociologia Brasileira."

Texto reproduzido de: http://www.sbs2011.sbsociologia.com.br

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sociedade da informação e ética hacker

No clássico A ética protestante e o espírito do capitalismo, Weber afirmava que a doutrina protestante, da predestinação e da santidade do trabalho, na qual a noção de trabalho aparece como dever, como vocação, teria sido um fator cultural decisivo para a formação da mentalidade capitalista e teria potencializado os princípios éticos da Era Industrial.
Em “A ética dos hackers e o espírito da era da informação”, Himanen afirma que os hackers, mais do que possuírem valores diferentes daqueles dos protestantes, representam uma oposição à moral industrial em diversos sentidos. Himanen contrapõe os valores da ética dos hackers aos da protestante: transformar a monotonia da sexta-feira em um domingo, democratizar a informação, romper com a jaula de ferro da disciplina e da burocracia, realizar a paixão criativa através do computador, não se render à ganância, são alguns dos valores de um hacker. Segundo Himanen, o termo hacker vem sendo empregado incorretamente, sendo relacionado a programadores que praticam atividades criminosas: esses “piratas” da Internet, que violam os sistemas de empresas e que roubam números de cartões de crédito ou contas bancárias, na verdade, não passariam de crackers. A palavra inglesa hacker, em seu sentido original, refere-se a programadores de computador entusiasmados, que compartilham seu trabalho técnico, científico ou artístico com outros. O termo hacker, que Himanen resgata, surgiu, no início dos anos 1960, como a autodenominação utilizada por um grupo de jovens programadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que tinham em comum o gosto pelos estudos, o apurado conhecimento de informática e o jeito passional de lidar com os negócios.

Himanen busca provar a tese de que os valores dos hackers seriam, na verdade, a chave de trabalho obsessivo, dotado de ritmo próprio, fundado na crença em grandes realizações através da união de forças, de forma criativa e apaixonada. Como afirma o autor, seu interesse em realizar uma etnografia dos hackers foi tecnológico, relacionado com o fato de que os símbolos mais conhecidos da nossa era, a Rede, o computador pessoal e os softwares que fazem isso tudo funcionar não foram, na realidade, criados por empresas ou governos, mas por indivíduos entusiastas que se empenharam em pôr em prática suas idéias, com outros indivíduos de interesses afins e que trabalhavam a seu próprio ritmo. No prólogo da obra, Linos Torvalds destaca que há três categorias básicas para a motivação dos hackers: a sobrevivência, a vida social e o entretenimento. Segundo Himanen, essa última categoria deve ser entendida com “E” maiúsculo, por tratar-se do tipo de estímulo que retira o hacker do tédio e do aborrecimento, fornecendo sentido à sua vida. Porém, este entretenimento significa trabalhar com prazer, e não, jogar Nintendo. O “Entretenimento” seria qualquer coisa intrinsecamente interessante, desafiante e fundamental na vida de cada indivíduo empenhando em realizar sua paixão criativa. Para Himanen, o sentido de “Entretenimento” deve ser paixão, ou seja, a dedicação a uma atividade que seja intrinsecamente interessante, inspiradora e que cause regozijo: uma relação apaixonada com o trabalho e que, historicamente, teria caracterizado o “mundo intelectual”.
O ethos hacker nega a relação do trabalho com o tempo, da maneira estabelecida pela ética protestante. O hacker é também um indivíduo obcecado pelo trabalho, mas não pelos prazos. Seu compromisso não é com um emprego, mas com a expressão de sua realização como indivíduo; sua recompensa não é apenas o salário, mas o reconhecimento do seu trabalho pelos interessados neste trabalho. Os hackers crêem que a revolução digital deve ser traduzida também em um tempo lúdico para a humanidade. A plena realização de suas capacidades criativas depende de seus impulsos, não podendo ser heterodeterminada. Os hackers não subscrevem o adágio “o tempo é dinheiro” e sim, “o tempo é minha vida”.


Trechos do texto:
MOCELIN, Daniel Gustavo. A ética hacker do trabalho: rompendo com a jaula de ferro? Resenha do livro de Pekka Himanen, Linus Torvalds ("Prólogo") & Manuel Castells ("Epílogo"). The hacker ethic and the spirit of the information age. Nova York: Random House, 2001; Sociologias, n° 19, jan-jun, 2008. Este texto na integra está disponível neste blog, no link "produções do editor".

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Linus Torvalds fala ao G1 sobre tecnologia e ética hacker

O finlandês Linus Torvalds escreveu as primeiras linhas de código de programação do núcleo do Linux em 1991, quando estudava ciências da computação na Universidade de Helsinque. Vinte anos depois, o hobby do jovem “hacker”, que queria apenas ver se era capaz de criar seu próprio sistema operacional, é praticamente onipresente. Ele é a base da internet: mais de 50% dos computadores que armazenam e distribuem conteúdo da web utilizam o sistema.


quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Esquematizações teóricas: Durkheim

Esquematizações são importantes instrumentos para a análise do pensamento sociológico, que nos ajudam numa melhor compreensão teórica. Deve-se resaltar, todavia, que como todo esquema é uma representação, não dá conta de todos os detalhes das complexas obras dos autores. O esquema teórico da obra de Durkheim, abaixo reproduzido, foi apresentado na obra:

RODRIGUES, José Albertino (org.). Durkheim - Sociologia. 9ª Edição, 7ª Reimpressão. São Paulo: Ática, 2004. (p. 31).

Clique na figura abaixo para ampliar a imagem.

sábado, 14 de agosto de 2010

Revisão da tradição socialista do pensamento

André Gorz, embora tenha nascido em Viena, Áustria, é conhecido como um sociólogo francês porque assumiu em 1940 esta nacionalidade depois de sua família – de origem judaica – ter sido expulsa da terra natal durante o regime nazista. Conhecedor e adepto, mas critico, da teoria marxista, desde os anos 50, quando se aproximou do existencialismo, Gorz questionava o papel do proletariado como classe revolucionária, considerando que no século XX, nada diferenciaria o proletariado das demais classes. Considerava que o nível de vida dos trabalhadores apresentava substanciais melhoras com o estado de bem estar dos países desenvolvidos, e a diminuição da miséria propiciaria o crescente processo de “aburguesamento das massas”, diminuindo a intenção revolucionária do proletariado.

Em 1980, escreveu Adeus ao proletariado, seu livro mais conhecido e que teve grande repercussão na Europa, mas que mereceu, na França, o repúdio da Confederação Francesa Democrática do Trabalho, na qual Gorz atuava. Na Alemanha, pelo contrário, tal livro foi recebido com grande interesse pelo movimento operário, o que proporcionou a reconciliação de Gorz com este país. No livro, Gorz realiza um tratamento sistemático do questionamento da sociedade centrada no trabalho, a partir da identificação de tendências de redução do emprego industrial nas sociedades capitalistas avançadas, de ampliação de atividades em serviços, de diminuição da jornada de trabalho e de aumento do desemprego e sua manutenção em patamar elevado contrariamente ao “pleno emprego” de décadas anteriores. No contexto dessas mudanças, Gorz afirma que a teoria marxista não teria mais propostas a oferecer à construção de uma sociedade do futuro, o que evidenciaria seu anacronismo. Adeus ao proletariado expõe os mais importantes aspectos da concepção do autor, complementados em Metamorfoses do trabalho, demanda do sentido (1988), os quais estão presentes em todos os livros subseqüentes do autor, inclusive o que trataremos nesta resenha, Misérias do Presente, Riqueza do Possível (1997).

A obra de Gorz pode ser considerada como uma revisão crítica da tradição socialista, mostrando a necessidade de se reconsiderar a utopia e atualizar as ideologias emancipatórias. O autor assume uma combinação da teoria social da ação de cunho marxista com uma visão fenomenológica-existencialista do sujeito, o que se deve a sua ligação com Sartre. A contribuição principal de Gorz consiste na descentralização e na reconsideração da idéia de trabalho como mediação central da interação social e da relação entre natureza e sociedade.

Em Misérias do Presente, Riqueza do Possível, Gorz explora as idéias da importância que o conhecimento (saber) assume na economia contemporânea e do desaparecimento do trabalho assalariado como base da identidade social. O autor retoma a tese de que o fim da centralidade do trabalho assalariado não seria algo a ser lamentado pelos trabalhadores, pois uma nova sociedade estaria surgindo dos escombros da antiga. Gorz entende que as transformações sociais e do trabalho poderiam favorecer uma “libertação da alienação do trabalho” da era fordista e potencializariam condições para o surgimento de atividades “auto-organizadas”, sendo necessário que o trabalho perca definitivamente seu lugar central na vida das pessoas, para que estas busquem novas formas de expressão identitária.

No Capítulo sobre os Últimos avatares do trabalho, Gorz explora essas questões a partir da crise do modelo fordista e da emergência do modelo toyotista e das novas formas de trabalho assalariado (emprego) e as novas formas de “apropriação pelo trabalho” implementadas a partir desta crise. O autor mostra como a sociedade salarial se metamorfoseia inclinando-se para uma sociedade onde todos seriam precários. Ao tratar sobre o Pós- fordismo, faz uma caracterização do modelo pós-fordista, que se constituiu a partir da crise do fordismo, examinando de forma didática as diferenciações entre fordismo e pós-fordismo. O paradigma da organização vê-se substituído por aquele da rede de fluxos inter-conectados (...) No lugar de um sistema hetero-organizado centralmente, tem-se um sistema auto-organizado descentrado. (...) (p. 41). Uma tal concepção abriria ao poder operário espaços sem precedentes, anunciando uma possível liberação, ao mesmo tempo no e do trabalho? Ou significa a sujeição máxima dos trabalhadores (...)? (p.41)

A Materialização do modelo pós-fordista (toyotista) é exemplificada através do caso da Fábrica da Volvo, em Uddevalla, onde os trabalhadores seriam considerados como sujeitos reais da organização do trabalho. Grupos de trabalho, sistema de prêmio para montar um carro inteiro, rotatividade técnica e flexibilidade-funcional: o grupo funciona mesmo sem um dos membros, negociação de folgas entre o grupo, “árbitro” ou chefe da equipe, cargo ocupado alternadamente por cada membro do grupo, sindicato da empresa. Emprego de mão de obra jovem, bem formada, motivada.

Gorz aborda a questão da sujeição a partir de seu exame do toyotismo. Neste modelo, a produção enxuta tinha princípios próprios. Era preciso ultrapassar as relações de produção capitalistas tradicionais. Empregar apenas trabalhadores jovens, sem passado sindical, com contrato de trabalho de total comprometimento, sob ameaça de serem dispensados se o não cumprissem (...) Só empregam operários despojados de sua identidade de classe. (p. 47). Cultura da empresa como refúgio da insegurança. Cooptação do empregado. Toyotismo substitui as relações sociais modernas por pré-modernas. A empresa primeiro compra a pessoa e sua dedicação e só depois devolve sua capacidade de trabalho abstrata (p. 49).

Para Gorz, quanto mais se amplia a autonomia, mais deveria radicalizar-se a recusa da heteronomia (p. 50). A autonomia no trabalho é irrelevante se não for acompanhada de uma autonomia cultural, moral e política (p. 52). No tempo do general intellect (...) todos e todas são ao mesmo tempo trabalhadores potenciais e desempregados em potência (p. 53). Autônomo, soberano, mas limitado e assujeitado: o que produzem não é um resultado objetivado, destacável de sua pessoa, mas a mobilização de recursos próprios a ela mesma: seus talentos (p. 54). Vender toda a sua pessoa, saber vender-se, é a própria essência da prostituição. Gorz explora a idéia de que a superação da subordinação do trabalho da esfera heterônoma para a autônoma constituiria as condições concretas para a conversão do trabalho em uma atividade autônoma. Isso implica a coexistência de dois mundos diferentes – o da heteronomia e o da autonomia – em que um engloba toda a exploração típica do modo de produção capitalista, enquanto o outro constrói a independência do indivíduo. A superação da centralidade do trabalho assalariado torna-se imperativo para que os indivíduos transponham a heteronomia do trabalho e construam um novo tipo de sociedade, calcada no princípio do “tempo livre”. Qual seria o ápice desta nova sociedade? Diante da crise da racionalidade econômica capitalista, seria potencializada ao indivíduo a exposição de sua individualidade através do “tempo livre”?

Comentários com base no texto:
GORZ, André. Misérias do Presente, Riqueza do Possível. Tradução: Ana Montoia. São Paulo: Anna Blume, 2004. 162p. Original de 1997. Introdução (p. 9-15) e Capítulo II – Últimos avatares do trabalho (p. 37-65).

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Conhecimento, tecnologia e mudança social

Manuel Castells é um dos principais teóricos da nova realidade social. Na obra de três volumes A Era da Informação (originalmente publicada em 1999), Castells parte do pressuposto de que, no final do século XX, vivemos um intervalo na história caracterizado pela transformação da cultura material pelos mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação. Castells identifica o surgimento de uma nova estrutura social, associada a um novo modo de desenvolvimento, por ele denominado Informacionalismo que se apresentaria como produto da reestruturação capitalista observada a partir do final do século XX, possuindo como fonte de produtividade a combinação entre a geração de conhecimento, os processos de informação e a comunicação por símbolos. Neste sentido, o Informacionalismo possibilitaria o surgimento de novas formas históricas de interação, de controle e de transformação social. Para Castells as sociedades informacionais da forma como existe hoje são capitalistas. Ou seja, o autor esboça sua teoria não partindo do suposto de uma ruptura com o modo de produção capitalista, mas como que num processo de evolução do próprio capitalismo, o que caracterizaria uma nova etapa de desenvolvimento capitalista que precede o informacionalismo. O autor enfatiza a diversidade cultural e institucional das sociedades, definindo que da mesma maneira que não se podem homogeneizar peculiaridades locais, não se pode afastar a idéia do processo mais amplo a que todas estão submetidas. A idéia é que as sociedades, mesmo tendo suas diferenças, serão cada vez mais sociedade informacionais. Nas palavras de Manuel Castells, “a nova sociedade emergente desse processo de transformação é capitalista e também informacional, embora apresente variação histórica considerável nos diferentes países, conforme sua história, cultura, instituições e relação específica com o capitalismo global e a tecnologia informacional” (p. 31). Segundo Castells (2000, p. 35), conhecimentos e informação são elementos cruciais em todos os modos de desenvolvimento [agrários, industrial, informacional], visto que o processo produtivo sempre se baseia em algum grau de conhecimento e no processamento da informação. Contudo, o que é específico ao modo informacional de desenvolvimento é a ação de conhecimentos sobre os próprios conhecimentos como principal fonte de produtividade. Cada modo de desenvolvimento tem, também, um princípio de desempenho estruturalmente determinado que serve de base para a organização dos processos tecnológicos: o industrialismo é voltado para o crescimento da economia, isto é, para a maximização da produção; o informacionalismo visa o desenvolvimento tecnológico, ou seja, a acumulação de conhecimentos e maiores níveis de complexidade do processamento da informação. Embora graus mais altos de conhecimentos geralmente possam resultar em melhores níveis de produção por unidade de insumos, é a busca por conhecimentos e informação que caracteriza a função da produção tecnológica no informacionalismo (Castells, 2000, p. 35). Castells afirma que a tecnologia e as relações técnicas de produção difundem-se por todo o conjunto de relações e estruturas sociais, apesar dessas serem organizadas em paradigmas oriundos das esferas dominantes da sociedade como o processo produtivo ou o complexo militar, penetrando no poder e na experiência e modificando-os. Conclui então que Dessa forma, os modos de desenvolvimento modelam toda a esfera do comportamento social, inclusive a comunicação simbólica. Como o informacionalismo baseia-se na tecnologia de conhecimentos e informação, há uma íntima ligação entre cultura e forças produtivas e entre espírito e matéria, no modo de desenvolvimento informacional. Portanto, devemos esperar o surgimento de novas formas históricas de interação, controle e transformação social. (Castells, 2000, p. 35-36) A tecnologia da informação atingiria todas as esferas da atividade humana, por isso que Castells a analisa para estudar a complexidade da nova economia, sociedade e cultura em formação. Mas, como chama o autor chama a atenção, a opção em explicar as mudanças da sociedade tirando por base a tecnologia da informação não é de forma alguma um determinismo tecnológico. É uma opção metodológica, um ponto de partida escolhido pelo autor. Ou seja, para ele a tecnologia não determina a sociedade “Na verdade, o dilema do determinismo tecnológico é, provavelmente, um problema infundado, dado que a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas.” (CASTELLS, 1999, p.25). Porém, o modo como as sociedades dominam a sua tecnologia, vai moldar o seu próprio modo de vida, que apesar de não determinar a evolução histórica e a transformação social da mesma, as mudanças tecnológicas se tornam o ícone da capacidade de transformação e “modernização” das sociedades contemporâneas.



Comentários com base no texto:
CASTELLS, Manuel. Prólogo: a Rede e o Ser. IN: A Sociedade em Rede. Tradução: Roneide Venâncio Majer. Volume 1 de “A era da informação: economia, sociedade e cultura”. 4º edição. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Eduardo Giannetti fala no I Fórum do Centro de Liderança Pública sobre formação de capital humano e investimento em educação no Brasil

A exposição do conjunto de cinco partes aborda um interessante tema que poderia estar em pauta na agenda nacional com mais vigor e destacada no debate eleitoral recente. Em época de corrida eleitoral, o discurso em geral acaba sempre defendendo maior investimento, mas sem direcionamentos claros, ou seja, acaba sendo o discurso do investimento feito de qualquer jeito, como aumento de salários, proteção dos "direitos adquiridos", saúde, segurança, etc... A tônica da fala de Giannetti passa pela questão da eficiência do gasto público e do investimento. Devemos lamentar que a eficiência de gastos nunca foi no Brasil um discurso eleitoral. Mas temos que lembrar que políticos são políticos e analistas são analistas, feliz ou infelizmente, não sei.