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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Peter Berger e Thomas Lukmann: indivíduo e sociedade

A abordagem de Peter Berger e Thomas Lukmann apreende a sociedade como uma realidade ao mesmo tempo objetiva e subjetiva. A sociedade é uma produção humana e o homem é uma produção social. A sociedade é entendida como um processo dialético de exteriorização, objetivação e interiorização. Os autores explicam a sociedade como realidade subjetiva, considerando que a socialização é o processo pelo qual ocorre a interiorização da realidade. A socialização é explorada num duplo viés, a dizer a socialização primária e a socialização secundária. “A socialização primária é a primeira socialização que o indivíduo experimenta na infância, e em virtude da qual torna-se membro da sociedade” (p. 175). Através da socialização primária o indivíduo toma posse de um “eu” e de um “mundo” objetivo, ou seja, é integrado a uma dada realidade. O indivíduo adquire conhecimento do papel dos outros e neste processo entende o seu papel, em suma, apreende sua personalidade através de uma atitude reflexa. A consolidação dos papéis sociais é entendida como tipificações de condutas socialmente objetivadas. A socialização primária envolve o sentimento de emoção, a secundária não. A socialização primária é definitiva. A linguagem é um dos principais mecanismos de socialização primária. “A socialização secundária é qualquer processo subseqüente que introduz um indivíduo já socializado em novos setores do mundo objetivo de sua sociedade (p. 175)”. A socialização secundária é a interiorização de “submundos” institucionais e baseados em instituições. Estes submundos são geralmente realidades parciais, em contraste com o mundo básico adquirido na socialização primária. A socialização secundária não sobrepõe a identidade criada na socialização primária. A socialização secundária admite re-elaboração, pode ser reconstruída. A mudança social ocorre na relação entre a socialização primária e secundária. A socialização primária orienta-se para a formação da identidade social, ela é essencialmente reprodutora do mundo social. É o processo de incorporação da realidade tal qual ela é, ou seja, intenta a integração dos indivíduos nas relações sociais de produção e reprodução existentes. A socialização secundária produz as identidades. Nela ocorre a invenção de novos jogos, de novas regras e de novos modelos relacionais. A partir de um processo de diferenciação da realidade social que ocorre na socialização secundária se implementam novas formas de socialização primária. A socialização das gerações é diferenciada. Os aparelhos de socialização primária (famílias, escola) entram em interação com os aparelhos de socialização secundária (empresas, profissões) provocando crises de sentido nos saberes. A socialização secundária pode por em causa as hierarquias e saberes da socialização primária. Afinal, não é a criança quem vai mudar as regras. A possibilidade de construção de outros mundos interiorizados a partir da socialização secundária para além dos que foram interiorizados na socialização primária seria a base da mudança social. A linguagem especializada, própria de cada “campo” é um dos principais mecanismos de socialização secundária. A teorização dos autores sobre o duplo viés da socialização é muito interessante, tornando, por exemplo, a concepção de que parte, qual seja de G H Mead, mais completa. Porém, considero criticáveis alguns pontos da teorização dos autores, mas isso devido à antiguidade do texto, evidentemente muito superado em termos de contexto social – afinal o texto de 1967. Parece haver um Q de determinismo por parte do processo de socialização primária, principalmente baseando-se na família. Os autores insistem em trabalhar com a idéia das classes superior e inferiores, como que tendo uma socialização totalmente diferenciada. Eu discordo um pouco quanto a isso, pois numa sociedade em que existe televisão em todas as classes há um banho de informação que perpassa as classes sociais, por exemplo. Desde muito cedo as crianças apreendem informações que superam a família, basta ver o uso do computador ou videogames por crianças em famílias em que os pais não usam computador e nunca vão usar, mas as crianças buscam isso. Talvez para o contexto atual já existam socializações secundárias anteriores às socializações “mais especializadas” em termos de divisão social do trabalho ou campos específicos. Basta conversar com uma criança de quatro anos e observar que elas percebem coisas que nós talvez só tenhamos percebido aos 18 anos. A socialização primária demarca a percepção de que “o mundo é assim” e se completa quando surge a dúvida de “por que o mundo é assim”. A mim parece que essa dúvida surge cada vez mais cedo. Essas idéias podem, ao meu ver, serem implementadas à teoria dos autores, pois como eles mesmo colocam a socialização nunca é total e nem está jamais acabada (p. 184). Segundo Berger e Lukmann, o social pré-existe ao individual, mais do que isso, o social é que permite a individualização. O indivíduo não nasce como membro de uma sociedade, mas nasce com a predisposição para a sociabilidade e torna-se membro da sociedade. A concepção do processo de socialização em um duplo viés é o centro da teorização proposta, principalmente no que se refere à socialização secundária. A socialização primária segue os moldes do que propôs G H Mead. Mas a socialização secundária é original. Impõem compreender uma constituição dialética da socialização que dá ênfase à mudança social a partir do próprio processo de socialização tendo por plano de fundo o processo de diferenciação de esferas – ou campos – sociais. A abordagem dos autores estabelece uma fenomenologia da socialização. Intentam, Berger e Lukmann, a demonstrar a reprodução e produção da sociedade como realidade tanto objetiva quanto subjetiva, e demonstram, consistentemente, como objetividade e subjetividade interagem. A perspectiva de Berger e Lukmann vem na esteira da Escola de Chicago, trazendo a importância do sujeito na produção, reprodução e transformação do social. Ao mesmo tempo os autores avançam em relação à própria Escola de Chicago, quando entendem que o estudo do micro está inserido no macro.

Peter Berger nasceu em Viena em 1929. Emigrou aos Estados Unidos aos 17 anos. Estudou no Wagner College e sociologia na New School for Social Research de Nova York, onde se doutorou. Sua atividade docente se desenvolveu nas Universidades da Geórgia e a Carolina do Norte, para voltar à New School for Social Research de Nova York, como professor de sociologia. Posteriormente, ensinou sociologia e teologia na Escola de Teologia da Universidade de Boston, de cujo Institute for the Study of Economic Culture foi diretor.Junto com Thomas Luckman teoriza a cerca da realidade como construção social (The Social Construction of Reality. A Treatise in the Sociology of Knowledge, 1967).

Thomas Luckmann, Alemanha, 14 de outubro de 1927, foi um professor de Sociologia na Universidade de Constança na Alemanha. Desde 1994 ele é professor emérito. Luckmann tornou-se conhecido pelo seu livro A construção social da realidade, editado em 1966 com Peter L. Berger e pelo Estruturas do mundo da vida (1982, junto com Alfred Schütz). As áreas de pesquisa de Luckmann incluem a Sociologia do conhecimento, a Sociologia da religião, a sociologia da comunicação e a a filosofia da ciência.


Resenha com base em:
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1999. Texto original de 1967. (Trechos selecionado: Parte III – A sociedade como realidade subjetiva, pp. 173-241).

Espírito, Eu e sociedade: George Herbert Mead

Situando o pensamento de GH Mead: Tradição sociológica americana: caráter empírico, censo de 1790. Tradição européia: evolucionismo, utilitarismo, economia política, teorias sintéticas, critica da razão, romantismo, idealismo. Pragmatismo: realidade não existe fora do mundo real: indução a partir dos fatos observados. Interacionismo simbólico: os atores se relacionam com o mundo, a interação é mediada pela linguagem, comunicação, símbolos. A sociologia estuda a ação e a interação. Influência da filosofia alemã: nove mil americanos estudaram na Alemanha entre 1815 e 1915. Psicosociologia ou Psicologia social.

A obra de Mead ora discutida está organizada em três grandes pontos: Mente, Self e Sociedade. Esta resenha prioriza a discussão da Parte III da obra, em que se expôs a concepção do autor sobre o “indivíduo”, no texto, em espanhol, referida por La Persona, e no original, em inglês, por Self. A discussão do texto de Mead precisa ser contextualizada. George Herbert Mead é um dos principais clássicos da psicologia social, e seu destaque na sociologia está ligado à Escola de Chicago como um dos fundadores do Interacionismo Simbólico. Destaca-se, ainda, a tradição sociológica americana e o pragmatismo. A idéia básica a se considerar é que para Mead, a sociologia estuda a consciência, a ação e a interação. Em Mente, Self e Sociedade, Mead descreve como a mente e o self individuais se originam no processo social. A idéia do autor é que o indivíduo se origina e só pode se originar a partir do social, sendo o social que o constitui, mesmo que o indivíduo internalizando o social possa modificar o social. Mead realiza uma “descrição densa” da experiência individual no social e dos processos de sociabilidade que permite ao indivíduo emergir. O modelo de Mead da sociedade é um modelo orgânico em que os indivíduos estão relacionados ao processo social no mesmo sentido que as peças corporais são relacionadas aos corpos. Assim, para Mead, a psicologia individual seria inteligível somente nos termos de processos sociais. Mead parte do condutivismo, mas critica linhas desta corrente dando prioridade à sociedade nas suas análises. Para o condutivismo mais tradicional de Watson, importaria apenas a análise da conduta observável e os estímulos que provocam esta conduta. Mead dava importância à conduta observável, mas também reconhecia que existiam aspectos “encobertos” na conduta que emanam do social. Assim, Mead contrasta sua teoria social do self com as teorias individualistas do self. O desenvolvimento do self (mente) e a consciência do self (self, persona, indivíduo social) ocorrem dentro do campo da experiência e são, primariamente, sociais. O self só pode ser desenvolvido plenamente quando as pessoas tornam-se membros de uma comunidade e agem segundo as atitudes comuns desta comunidade. O self não está no nascimento, mas emerge do processo da experiência e atividade social, isto é, torna-se indivíduo em conseqüência de suas relações a esse processo e ao todo e a outros indivíduos dentro desse processo – isto é, subentende “ser um objeto” deste social. O self é um processo reflexivo, no sentido de que o self é a capacidade de considerar-se como objeto. Para Mead, é a reflexividade do self que “o distingue de outros objetos e do corpo”. A atividade reflexiva inicia pela capacidade do ator de se colocar no lugar do outro. Seria mediante essa reflexão que o processo social seria internalizado na experiência dos indivíduos, e, ao adotar a atitude do outro, o indivíduo estria conscientemente capacitado para se adaptar a esse processo e para modificar tal processo em qualquer ato social dado. Assim, o indivíduo não se avalia a partir da sua perspectiva e, sim, colocando-se na perspectiva de outros indivíduos ou do ponto de vista do grupo social. Neste sentido, poder-se-ia entender que a teorização de Mead representa os indivíduos como atores conformados ao grupo de pertença. Essa idéia reforça sua perspectiva de anterioridade do social sobre o individual, o que lhe aproxima, de certa maneira, da teoria de Durkheim. Entretanto, a abordagem é distinta, pois enquanto Durkheim relegaria toda a sua atenção sobre o que é social e as coisas propriamente internalizáveis, Mead está interessado no processo de internalização, em como o social é internalizável. Neste sentido, entende-se que Mead está interessado nas implicações da ordem social sobre a produção da sociabilidade e interação. Nesta obra analisada, encontra-se uma explicação para a constituição e manutenção de identidades sociais, entendendo como estas conferem ao self um ambiente estável e familiar. A concepção de Mead também é uma explanação de como esse processo constrói e mantém a realidade social. A mente, para Mead, é uma faculdade biológica que permite apreender e manejar símbolos cujos significados são compartilhados por diferentes pessoas. Mediante a mente poder-se-ia estabelecer uma linguagem baseada em significados estabelecidos por uma convenção. O ato de pensar é uma ação mediante a qual os indivíduos tomam consciência de si mesmos e aprendem a conhecer os comportamentos socialmente aceitáveis. Os indivíduos fazem uma série de construções mentais (adaptação) a fim de conhecer os papéis sociais e como cumpri-los em diferentes situações. A concepção social do self que Mead discute, envolve que os selves individuais são os produtos da interação social e não das precondições (lógicas ou biológicas) da interação. Mead especifica que cada self é diferente dos demais. Os selfs compartilham uma estrutura comum, mas cada um recebe uma particular articulação biográfica. As pessoas podem se inserir no grupo não somente se conformando a ele, mas, também, introduzindo mudanças nele, o que permitiria entender um pouco da perspectiva de Mead sobre mudança social. O self constitui-se como uma unidade dual de um “eu” (I) e um “mim” (me). Pelo “eu” o self individua-se, pelo “mim” o self socializa-se. Tais pólos seriam independentes, mas referem-se necessariamente um ao outro. Diferente de outros precursores da psicologia social e do interacionaismo simbólico, Mead concentra sua investigação não tanto numa subjetivação espiritual do self, mas na capacidade do self de introjetar os valores e as regras sociais, sem o que o self não poderia constituir-se. A diferença individual resulta de um processo de significação de si em que há um outro generalizado contra o qual o indivíduo reage e pelo qual o indivíduo se constitui. O eu é uma reação do corpo ao eu generalizado (o ‘mim’). O ‘eu’ é a reação do organismo às atitudes dos outros; o ‘mim’ é a série de atitudes organizadas dos outros, que o eu mesmo adota. As atitudes dos outros constituem o ‘mim’ organizado e o eu reage contra elas como um ‘eu’.

Referência:
MEAD, George. Espíritu, Persona y Sociedad (Mind, Self and Society). México: Paidós, 1993.

sábado, 5 de junho de 2010

A história das coisas, de Annie Leonard

Da extração e produção até a venda, consumo e descarte, todos os produtos em nossa vida afetam comunidades em diversos países, a maior parte delas longe de nossos olhos. História das Coisas é um documentário de 20 minutos, direto, passo a passo, baseado nos subterrâneos de nossos padrões de consumo. História das Coisas revela as conexões entre diversos problemas ambientais e sociais, e é um alerta pela urgência em criarmos um mundo mais sustentável e justo.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Propriedade de si

Robert Castel (França, 27 de março de 1933...) sustenta uma abordagem centrada na análise das condições sociais objetivas que dotariam os homens da propriedade de si. A análise genealógica dessas condições o aproxima muito da concepção durkheimiana, relativa à anterioridade do social sobre o individual. A preocupação do autor é a de analisar as condições de emergência do sujeito e não especificamente trabalhar a emergência do sujeito. “Um indivíduo não existe em substância, e para existir como indivíduo é necessário ter suportes, e, portanto devemos nos interrogar sobre o que há “detrás” do indivíduo que o permita existir como tal (p. 12). As condições sociais, ou suportes, a que se refere Castel, são sempre direcionadas à perspectiva da segurança e proteção social. O autor entende que apenas um indivíduo assegurado e protegido socialmente poderia desenvolver a propriedade de si, pois este indivíduo não dependeria de outros indivíduos. Ou seja, ser indivíduo positivamente seria estar no seio de uma sociedade, e ser parte dela, e por ser parte dela ser protegido dos acasos da existência. O que se subentende, portanto, é que o indivíduo liberta-se da dependência de outros indivíduos, não sendo mais propriedade de outros indivíduos, mas passa a legitimar a coerção da sociedade, tornando-se proprietários de si através de seu trabalho. Na sociedade, o indivíduo teria seus direitos garantidos, tornar-se-ia um cidadão. Desta maneira, o indivíduo passaria a depender da capacidade do Estado de garantir certas condições, e por isso o social o tornaria um indivíduo. A idéia é a de que os suportes necessários para existir e ser reconhecido como indivíduo só poderiam ser obtidos pela sociedade. Castel entende que na modernidade ocorreu uma separação entre propriedade e trabalho, o que implicaria em pensar numa sociedade de proprietários e não-proprietários. Neste sentido, identifica que, primeiro, a propriedade privada, como enunciou Locke, poderia tornar o indivíduo proprietário de si. Os trabalhadores, devido à condição de não-proprietários, não gozavam de uma igualdade de fato, pois estavam despossuídos de si mesmos, pertencendo ao patrão. Não proprietários, nada poderiam ser. Com a falta da propriedade privada para um grande número de pessoas, a propriedade social representou uma inovação que permitiu a reabilitação dos não-proprietários para ascender à propriedade de si, pois a propriedade social outorgaria a seguridade e o reconhecimento pelo trabalho na condição de assalariado. Assim, as relações de trabalho foram estruturadas na sociedade salarial em torno de instituições do Estado. O trabalho assalariado permitiria o acesso aos suportes sociais a ele associados favorecendo a integração e a coesão social. Na sociedade salarial se poderia encontrar uma distribuição da propriedade social em que seria permitido aos indivíduos o exercício de fato de seus direitos de cidadão. Neste sentido, a propriedade social seria análoga da propriedade privada, ou seja, uma propriedade que gera segurança e proteção social. Entende o autor que “Existir positivamente como indivíduo é ter a capacidade de desenvolver estratégias pessoais, dispor de uma certa liberdade de escolha na condição de sua própria vida porque não se encontra na dependência de outro” (p. 26). A propriedade de si dependeria da possibilidade de apropriar-se do próprio corpo, apropriar-se do tempo e pensar o próprio destino. Eu me pergunto até que ponto isso é verdadeiro no âmbito de uma sociedade salarial dos anos 60 ao se considera a maior parte das categorias profissionais. Tome-se, por exemplo, o caso dos carvoeiros na Inglaterra. Como ter estratégias pessoais, liberdade de escolha, pensar o próprio destino passando-se 40 anos da vida no interior de um buraco, e sendo um indivíduo embrutecido, mas protegido socialmente? Parece que o indivíduo pode fazer escolhas dentro daquilo para o qual ele é formatado a ser. E, nesta perspectiva, como ficaria o caso da maior parte das mulheres, já que o pleno emprego foi primordialmente masculino? Castel entende que a problemática contemporânea seria centrada na retirada dos suportes sociais em razão da desregulamentação das relações de trabalho, ou seja, ao desmantelamento do sistema de proteções ligado ao emprego e à sociedade salarial. Segundo o autor, a deterioração da proteção faz emergir o indivíduo por carência os quais seriam condenados a levar sua individualidade como um peso. Esse fato é recorrente, muitas pessoas estão desligadas das proteções sociais. O problema não é apenas a passagem para uma economia de acumulação flexível, mas também o próprio excesso de proteção daqueles que há têm. Entendo que se poderia considerar, além das condições materiais, certas condições imateriais como suportes sociais, tais como educação, formação, competências pessoais, comunidades, relações pessoais, redes sociais profissionais, familiares ou de amizade. Por serem imateriais, entendo que seria suportes inalienáveis, suportes que não poderiam ser suprimidos. Concordo com o autor que é a sociedade que permite a formação do indivíduo, mas não concordo que seja uma sociedade salarial aos moldes europeus que garanta a condição de ser indivíduo.
Como construir uma sociedade de indivíduos sem criar indivíduos cada vez mais individualistas? Para Robert Castel essa é uma questão fundamental, embora muito difícil de ser respondida. Para ele “a tendência atual é que as pessoas se considerem membros de uma sociedade de indivíduos, ou seja, de uma sociedade individualista, pois o indivíduo é de fato um valor de referência para a modernidade, mas ele sozinho não consegue existir positivamente”. Segundo o sociólogo “o indivíduo isolado é, de alguma maneira, levado “pelas águas” e não chega a lugar algum.O importante é procurar articular esses valores individuais dentro de uma dimensão do coletivo no qual o indivíduo se encontra. Então, somente dentro desse coletivo ele pode se proteger e ser protegido da competição, constante e mesmo louca, que vem existindo. Dentro de um coletivo é que ele consegue conquistar realmente o seu lugar, a sua classe. Como articular a dimensão do indivíduo dentro de um coletivo é uma questão imensa e muitíssimo difícil.”


CASTEL, Robert; HAROCHE, Claudine. Propriedad privada, propriedad social, propriedad de si: conversaciones sobre la construcción del indivíduo. 1ª Ed. Rosario: Homo sapiens, 2003.