A abordagem de Peter Berger e Thomas Lukmann apreende a sociedade como uma realidade ao mesmo tempo objetiva e subjetiva. A sociedade é uma produção humana e o homem é uma produção social. A sociedade é entendida como um processo dialético de exteriorização, objetivação e interiorização. Os autores explicam a sociedade como realidade subjetiva, considerando que a socialização é o processo pelo qual ocorre a interiorização da realidade. A socialização é explorada num duplo viés, a dizer a socialização primária e a socialização secundária. “A socialização primária é a primeira socialização que o indivíduo experimenta na infância, e em virtude da qual torna-se membro da sociedade” (p. 175). Através da socialização primária o indivíduo toma posse de um “eu” e de um “mundo” objetivo, ou seja, é integrado a uma dada realidade. O indivíduo adquire conhecimento do papel dos outros e neste processo entende o seu papel, em suma, apreende sua personalidade através de uma atitude reflexa. A consolidação dos papéis sociais é entendida como tipificações de condutas socialmente objetivadas. A socialização primária envolve o sentimento de emoção, a secundária não. A socialização primária é definitiva. A linguagem é um dos principais mecanismos de socialização primária. “A socialização secundária é qualquer processo subseqüente que introduz um indivíduo já socializado em novos setores do mundo objetivo de sua sociedade (p. 175)”. A socialização secundária é a interiorização de “submundos” institucionais e baseados em instituições. Estes submundos são geralmente realidades parciais, em contraste com o mundo básico adquirido na socialização primária. A socialização secundária não sobrepõe a identidade criada na socialização primária. A socialização secundária admite re-elaboração, pode ser reconstruída. A mudança social ocorre na relação entre a socialização primária e secundária. A socialização primária orienta-se para a formação da identidade social, ela é essencialmente reprodutora do mundo social. É o processo de incorporação da realidade tal qual ela é, ou seja, intenta a integração dos indivíduos nas relações sociais de produção e reprodução existentes. A socialização secundária produz as identidades. Nela ocorre a invenção de novos jogos, de novas regras e de novos modelos relacionais. A partir de um processo de diferenciação da realidade social que ocorre na socialização secundária se implementam novas formas de socialização primária. A socialização das gerações é diferenciada. Os aparelhos de socialização primária (famílias, escola) entram em interação com os aparelhos de socialização secundária (empresas, profissões) provocando crises de sentido nos saberes. A socialização secundária pode por em causa as hierarquias e saberes da socialização primária. Afinal, não é a criança quem vai mudar as regras. A possibilidade de construção de outros mundos interiorizados a partir da socialização secundária para além dos que foram interiorizados na socialização primária seria a base da mudança social. A linguagem especializada, própria de cada “campo” é um dos principais mecanismos de socialização secundária. A teorização dos autores sobre o duplo viés da socialização é muito interessante, tornando, por exemplo, a concepção de que parte, qual seja de G H Mead, mais completa. Porém, considero criticáveis alguns pontos da teorização dos autores, mas isso devido à antiguidade do texto, evidentemente muito superado em termos de contexto social – afinal o texto de 1967. Parece haver um Q de determinismo por parte do processo de socialização primária, principalmente baseando-se na família. Os autores insistem em trabalhar com a idéia das classes superior e inferiores, como que tendo uma socialização totalmente diferenciada. Eu discordo um pouco quanto a isso, pois numa sociedade em que existe televisão em todas as classes há um banho de informação que perpassa as classes sociais, por exemplo. Desde muito cedo as crianças apreendem informações que superam a família, basta ver o uso do computador ou videogames por crianças em famílias em que os pais não usam computador e nunca vão usar, mas as crianças buscam isso. Talvez para o contexto atual já existam socializações secundárias anteriores às socializações “mais especializadas” em termos de divisão social do trabalho ou campos específicos. Basta conversar com uma criança de quatro anos e observar que elas percebem coisas que nós talvez só tenhamos percebido aos 18 anos. A socialização primária demarca a percepção de que “o mundo é assim” e se completa quando surge a dúvida de “por que o mundo é assim”. A mim parece que essa dúvida surge cada vez mais cedo. Essas idéias podem, ao meu ver, serem implementadas à teoria dos autores, pois como eles mesmo colocam a socialização nunca é total e nem está jamais acabada (p. 184). Segundo Berger e Lukmann, o social pré-existe ao individual, mais do que isso, o social é que permite a individualização. O indivíduo não nasce como membro de uma sociedade, mas nasce com a predisposição para a sociabilidade e torna-se membro da sociedade. A concepção do processo de socialização em um duplo viés é o centro da teorização proposta, principalmente no que se refere à socialização secundária. A socialização primária segue os moldes do que propôs G H Mead. Mas a socialização secundária é original. Impõem compreender uma constituição dialética da socialização que dá ênfase à mudança social a partir do próprio processo de socialização tendo por plano de fundo o processo de diferenciação de esferas – ou campos – sociais. A abordagem dos autores estabelece uma fenomenologia da socialização. Intentam, Berger e Lukmann, a demonstrar a reprodução e produção da sociedade como realidade tanto objetiva quanto subjetiva, e demonstram, consistentemente, como objetividade e subjetividade interagem. A perspectiva de Berger e Lukmann vem na esteira da Escola de Chicago, trazendo a importância do sujeito na produção, reprodução e transformação do social. Ao mesmo tempo os autores avançam em relação à própria Escola de Chicago, quando entendem que o estudo do micro está inserido no macro.
Peter Berger nasceu em Viena em 1929. Emigrou aos Estados Unidos aos 17 anos. Estudou no Wagner College e sociologia na New School for Social Research de Nova York, onde se doutorou. Sua atividade docente se desenvolveu nas Universidades da Geórgia e a Carolina do Norte, para voltar à New School for Social Research de Nova York, como professor de sociologia. Posteriormente, ensinou sociologia e teologia na Escola de Teologia da Universidade de Boston, de cujo Institute for the Study of Economic Culture foi diretor.Junto com Thomas Luckman teoriza a cerca da realidade como construção social (The Social Construction of Reality. A Treatise in the Sociology of Knowledge, 1967).
Thomas Luckmann, Alemanha, 14 de outubro de 1927, foi um professor de Sociologia na Universidade de Constança na Alemanha. Desde 1994 ele é professor emérito. Luckmann tornou-se conhecido pelo seu livro A construção social da realidade, editado em 1966 com Peter L. Berger e pelo Estruturas do mundo da vida (1982, junto com Alfred Schütz). As áreas de pesquisa de Luckmann incluem a Sociologia do conhecimento, a Sociologia da religião, a sociologia da comunicação e a a filosofia da ciência.
Resenha com base em:
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1999. Texto original de 1967. (Trechos selecionado: Parte III – A sociedade como realidade subjetiva, pp. 173-241).
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Em 7 de dezembro de 2010, essa é a postagem com maior número de acessos do Blog, com 1.100 visitas.
ResponderExcluirEm 2 de abril de 2011, essa postagem continua sendo a mais visitada do blog, com 1.895 visitas.
ResponderExcluirnossa, qta visita hein...
ResponderExcluirexcelente!
ResponderExcluirestou lendo os autores e fico na dúvida se eles, ao enfatizarem essa "predisposição humana à sociabilidade",não estariam incorrendo também em um certo determinismo biológico , quando dizem que as regras sociais vieram a tona devido a uma suposta "necessidade de economia de energias", que incluem a "energia psicológica", para evitar a tensão perpétua entre dois indivíduos que estariam supostamente "solitários", "sem interação alguma com a sociedade"(o que já é estranho por si só). Eles chegam a falar tb em "instintos não dirigidos". Não sei se estou falando besteira. Também me parece ue os autores instrumentalizam a cultura quando a colocam, portanto como vindo a posteriori em relação à dinâmica social, numa certa dualidade, conforme expus acima. Desde já agradeço!
Estou confuso, alguém pode me explicar quais os verdadeiros agentes da socialização secundária e a função de cada um?
ResponderExcluirSe a socialização primária seria a interação social de um sujeito que está começando a interagir nesse meio social (através da escola, por exemplo) este seria a criança. Na minha concepção a socialização secundária seria o processo de interação desse indivíduo no mundo trabalhador.
ExcluirEntendo a socialização primária como sendo o contato com a família e a secundária como sendo o ambiente escolar por diante.
ExcluirNa minha opinião a socialização secundária começa a ocorrer quando o indivíduo é convocado a interagir em qualquer meio social, além do ambiente da socialização primária.
ExcluirBom dia!
ResponderExcluirGostaria de saber qual(is) livros você cita no texto acima.
Muito obrigado.
Muito interessante
ResponderExcluirO processo acima descrito ilustra a tese de Peter Berger (1929-2017) e Thomas Luckmann (1927-2016). Para esses dois sociólogos austro-americanos, a sociedade resulta da construção social da realidade. Em miúdos, o modo cotidiano pelo qual o indivíduo define a sociedade e percebe as ações humanas e se interage com as pessoas constrói o mundo social. Assim, a percepção dos sentidos em si é moldada pelos sentidos subjetivos atribuídos a uma experiência objetivamente vivida.
ResponderExcluirdrawing_hands
Escher. Mãos desenhado. Litogravura. 1948.
Para fundamentar seu argumento, Berger e Luckmann propõe alguns conceitos:
Externalização: pensamentos, sentimentos, ideias que ganham formas.
Objetificação ou reificação: a transformação dos pensamentos pela linguagem e comportamento dentro de parâmetros sociais e sua institucionalização nas artes, nas normas e nos hábitos.
Internalização: com os parâmetros dos artefatos ou objetos socialmente aceitos, o indivíduo tem consciência e interpreta o mundo. Reflexivamente, externaliza seus pensamento com base nesses parâmetros.
Habitualização: ações repetidas se tornam um parâmetro que serão aceitos por outros que vierem depois.
Institucionalização: o processo de implantar uma convenção ou norma na sociedade. Isso acontece quando os hábitos se tornam normais ou realidade.
Realidade: uma qualidade inerente ao fenômeno a qual reconhecemos que essa qualidade é associada ao fenômeno independentemente de nossa vontade.
Conhecimento: certeza que os fenômenos são reais e que possuem características específicas.
Como as sociedades são diferentes, o que é considerado ser real em uma cultura pode não ser em outra. Por exemplo, as 40 variedades de tons de pele foram agrupadas em grupos discretos, criando-se “raças” e tornaram-se reais em suas consequências, para citar outro sociólogo, o pioneiro W.I. Thomas. Quem é Afro-American nos Estados Unidos (como o ator Wentworth Miller) não pode ser assim reconhecido como negro/preto no Brasil enquanto a própria concepção de negritude pode ser a coisa mais sem sentido na Nigéria, onde alguém é hauçá, tiv ou iorubá.