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quinta-feira, 1 de julho de 2010

Honneth e a luta pelo reconhecimento

O filósofo e sociólogo alemão Axel Honneth (1949 – ...) retoma a concepção de “luta por reconhecimento” do jovem Hegel para dar suporte a sua abordagem sobre a formação da identidade como um processo intersubjetivo entre parceiros de interação. Na obra Luta por reconhecimento. A gramática moral dos conflitos sociais, Honneth propõe um modelo teórico de análise da identidade – ou do que Mead chamaria de self (!?) – fundada em duas linhas de pensamento. Por um lado, retoma – como já foi dito – a concepção de luta por reconhecimento de Hegel. Por outro lado, explora a teoria da socialização desenvolvida por George Herbert Mead. A combinação dessas concepções implementa sua teorização. Nesta ficha, trato especificamente de pontos sobre o primeiro aspecto.

Honneth é professor do Instituto de Filosofia da Universidade de Frankfurt e Diretor do Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt, tendo sucedido a Jürgen Habermas em seu posto na Universidade referida. Herdeiro, portanto, da Teoria Crítica fundada por Horkheimer e Adorno, Honneth seguiu a proposta de Habermas ao sugerir uma teoria como solução aos impasses de seus antecessores – no caso de Honneth especialmente Habermas, de quem foi assistente – ao mesmo tempo em que neles buscou os elementos que lhe permitiram traçar novo rumo à teoria social critica. Procura, portanto, com sua abordagem, superar o que chama de “déficit sociológico” da teoria crítica. Ou seja, para Honneth, vigora da tradição da teoria critica uma concepção de sociedade posta entre estruturas econômicas determinantes e imperativas e a socialização do indivíduo, que não considera a ação social como mediador necessário. Assim, entende Honneth que o conflito social deva ser o objeto centra da teoria crítica, sendo a base da interação o conflito e a sua gramática a luta por reconhecimento.

Na Parte I do livro, Honneth faz um esboço sobre a teoria abandonada por Hegel sobre luta do reconhecimento em detrimento da fenomenologia do espírito, tendo em vista atualizar tal concepção e lhe fornecer operacionalidade. Todavia, o que Honneth discute na Parte I aqui examinada é a concepção de Hegel. Tanto é assim, que o autor intitula a primeira parte da obra como “a idéia original de Hegel”. O termo “original” subentende que Honneth vai se apropriar da concepção de Hegel, mas não simplesmente a reproduzindo, mas explorando uma concepção que é “original” de Hegel, pois Hegel implementa a constituição do social interdependentemente à constituição do individual. Vejamos alguns pontos explorados por Honneth.

Honneth evidencia o processo fenomenológico e teleológico esboçado por Hegel. A concepção de Hegel pretende reconstruir o processo de formação ética do gênero humano como um processo que passa por etapas de um conflito que realizam um potencial moral inscrito estruturalmente nas relações comunicativas entre os sujeitos. Aqui é evidente o pressuposto idealista de Hegel de que o processo conflituoso a ser investigado é determinado por uma marcha objetiva da razão que ruma para a natureza comunitária do homem. A novidade esboçada por Hegel, e o aspecto que chama a atenção de Honneth na obra do filósofo, é exatamente esse centralidade do conflito na constituição de uma moral universal presente na sociedade.

Honneth destaca na concepção hegeliana a luta dos sujeitos pelo reconhecimento recíproco de sua identidade que provocaria uma pressão intra-social (de dentro do social) para o estabelecimento prático e político de instituições garantidoras da liberdade. Isso significa a pretensão dos indivíduos ao reconhecimento intersubjetivo de sua identidade. Essa pretensão é inerente à vida social desde o começo na qualidade de uma tensão moral que volta a impelir para além da respectiva medida institucionalizada de progresso social o que conduz a um estado de liberdade comunicativamente vivida. (Ver p. 29-30) Hegel entenderia que existe um processo de luta por reconhecimento no âmbito dos indivíduos que fundam uma moral social que permite implementar o social como uma esfera que permite a individualização dos indivíduos. É como se Hegel apresentasse uma concepção da constituição dos fenômenos sociais de modo contrário ao que mais tarde será esboçado por Durkheim. Ou seja, Hegel explora a concepção de um social comunitário a partir da ação dos sujeitos que se expressam num processo fenomenológico que passa por etapas, e não uma constituição desses mecanismos que permitem a individualização a partir das estruturas, como preconizaria mais tarde Durkheim. A idéia de Honneth é que nos conflitos sociais o indivíduo não busca exatamente a autopreservação ou o aumento do poder – como propunham Maquiavel e Hobbes – mas os indivíduos buscariam um reconhecimento de sua individualidade. Para Honneth, uma luta só pode ser social a partir do momento em que ela se generaliza para além das intenções individuais, tornando-se base para um movimento coletivo.

Essa constituição da moral segue um processo definido por etapas, num caráter eminentemente evolucionista. Existiriam três esferas nesse desenvolvimento do conflito do qual emana o social ou a eticidade: a esfera do amor, a esfera do direito e a esfera da solidariedade. Na esfera do amor o princípio do reconhecimento seria o da necessidade proveniente de uma natureza carencial e efetiva dos indivíduos, os quais aos serem concebidos teriam seu reconhecimento a partir das relações primárias como o amor dos pais e as amizades. Nesta etapa, os indivíduos seriam reconhecidos pela dedicação emotiva dos outros sujeitos da interação e as formas de desrespeito seriam os maus tratos e a violação, ameaçando a integridade física dos indivíduos. Seguindo o modelo de Hegel, Honneth entende que a primeira forma de reconhecimento com que os humanos se deparam é o amor, que por si próprio não pode levar a formação de conflitos sociais. Isso porque as relações amorosas mesmo que tenham uma dimensão de luta por reconhecimento, elas são uma luta restrita aos círculos de relações primárias, não se tornando assunto de interesse público. Por sua vez, as formas de reconhecimento do direito e da auto-estima social já representam um quadro moral de conflitos sociais. Na esfera do direito o princípio de reconhecimento seria a igualdade legal, garantida pelas leis, proveniente de uma imputabilidade moral dos indivíduos. Neste nível do desenvolvimento os indivíduos seriam reconhecidos pelo respeito cognitivo garantidos por relações jurídicas, ou seja, por direitos garantidos legalmente. O conflito seria proveniente da privação de direitos e pela exclusão ameaçando a integridade social dos indivíduos. Por fim, na etapa da solidariedade o princípio de reconhecimento seria as contribuições sociais provenientes da comunidade de valores que fundamentariam a sociedade. Nesta esfera, os indivíduos seriam reconhecidos pela estima social, e o conflito proveria da degradação e da ofensa pessoal, que ameaçariam a dignidade e a honra individuais.

Está, portanto, inscrita na experiência do amor a possibilidade da autoconfiança, na experiência do reconhecimento jurídico o alto-respeito e na experiência da solidariedade a auto-estima. A auto-realização individual pode ser alcançada na medida em que ocorre a auto-realização positiva a ser dada nesse processo de reconhecimento. Segundo expôs Honneth, a própria concepção dos indivíduos, etapa após etapa, definida por Hegel engendraria um processo de evolução da concepção dos indivíduos, que na esfera do amor reconhecer-se-iam como indivíduos em si, na esfera do direito reconhecer-se-iam pessoas e na esfera da solidariedade reconhecer-se-iam sujeitos. Os indivíduos fundar-se-iam nas carências concretas, as pessoas fundar-se-iam na autonomia formal e os sujeitos fundar-se-iam na particularidade individual.

Segundo Honneth existiriam diversas formas de reconhecimento recíproco, que devem distinguir-se umas das outras segundo o grau de autonomia possibilitado ao sujeito em cada caso. Toda a luta por reconhecimento começa a partir da experiência do desrespeito, pois esta se torna fonte emotiva e cognitiva de resistência social e de levantes coletivos. A coletividade começa a enxergar as causas sociais que levaram a situação de desrespeito individual, gerando a resistência coletiva. Essa comunidade será então capaz de um engajamento político numa tentativa de sair de uma situação de rebaixamento tolerado para uma auto-relação nova e positiva.

Embora eu não seja um fã de trazer para a sociologia estas concepções mais filosóficas como a análise de Hegel exposta por Honneth, eu considero estas leituras muito interessantes. Tais leituras nos fazem pensar em processos altamente complexos e que permitem exercitar nossa capacidade de compreensão teórica. A concepção Hegeliana permite se pensar a constituição dos indivíduos numa formulação dialética fundada sobre uma tensão proveniente do conflito que evolui rumo a uma idealização de indivíduo que só se realiza enquanto social. E esse conflito é também eminentemente social. As três etapas dessa constituição do self formuladas por Hegel em Jena demonstram um desenvolvimento do reconhecimento dos indivíduos como indivíduos ao passo em que se complexifica a relação dos indivíduos com o social. No modelo Hegeliano se entende que a luta por reconhecimento encaminha os indivíduos a uma entidade entendida como “individuo” que é cada vez mais indivíduo quanto mais atrelada ao social. Hegel implementa uma natureza social evolutiva ao indivíduo que é mais indivíduo quanto mais o social evolui. E é esse processo de constituição do social e do individual ao mesmo tempo e interdependentemente que encanta Honneth. E que também nos encanta neste tipo de literatura.

Comentários feitos com base em:
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento. A gramática social dos conflitos sociais. Tradução: Luiz Repa. São Paulo: Editora 34, 2003. 1ª Edição brasileira. Publicação do original em 1992. 296p. Parte I – Presentificação histórica: a idéia original de Hegel (p. 29-114).

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