N“A sociedade dos indivíduos”, Norbert Elias buscará desenvolver a compreensão da emergência da sociedade moderna. Elias relacionará três estruturas que considera fundamental para tal compreensão: estrutura social, estrutura histórica e estrutura psíquica. Norbert Elias irá transcorrer sobre o conceito de sociedade, de indivíduo, e de como se dão as relações destes dentro da sociedade e em relação a estrutura social. A sociedade se constitui no conjunto das relações entre os indivíduos e só existe porque um grande número de pessoas querem e fazem certas coisas, isoladamente, as quais continuam a funcionar independente das intenções particulares fazendo com que as grandes transformações históricas independam da estrutura e de como ela se transforma.
Ao examinarmos o modo como as ciências sociais têm tratado estas estruturas defrontamo-nos com dois campos opostos. Por um lado temos uma abordagem das formações sócio-históricas como se tivessem sido concebidas, planejadas e criadas, tal como agora se apresentam ao observador retrospectivo, por diversos indivíduos ou organismos. Sua argumentação se baseia em que a finalidade da linguagem é a comunicação entre as pessoas, ou que a finalidade do Estado é a manutenção da ordem como resultado de um pensamento racional. O campo oposto despreza essa maneira de abordar as formações históricas e sociais. Para seus integrantes o indivíduo não desempenha papel algum, seus modelos conceituais são primordialmente extraídos das ciências naturais, em particular, da biologia. Com isto a sociedade é concebida como uma entidade orgânica supra-individual que avança inevitavelmente para a morte, atravessando etapas de juventude, maturidade e velhice - enquanto no primeiro campo continua obscuro o estabelecimento de uma ligação entre os atos e objetivos individuais e suas transformações sociais inerentes, no segundo não se tem clareza de como vincular as forças produtoras dessas formações as metas e aos atos dos indivíduos, quer essas forças sendo vistas como anonimamente mecânicas ou como supra-individuais baseadas em modelos panteístas.
Já a psicologia defronta-se com duas propostas. Por uma lado se trabalha o indivíduo como algo singular que pode ser completamente isolado e que busca elucidar a estrutura de suas funções psicológicas independentemente de suas relações com as demais pessoas. Por outro lado, encontram-se correntes na psicologia social que não conferem nenhum lugar apropriado às funções psicológicas do indivíduo singular, tratando o indivíduo como um produto do meio social. A sociedade se afigura neste caso como uma acumulação aditiva de muitos indivíduos. As formações sócio-históricas possuem uma alma que transcende a alma dos indivíduos. Para Elias, essas abordagens criam uma antinomia absoluta entre o indivíduo e a sociedade.
“Muitas vezes, é como se as psicologias do indivíduo e da sociedade parecessem duas disciplinas completamente distinguíveis. E as questões levantadas por cada uma delas costumam ser formuladas de maneira a deixar implícito, logo de saída, que existe um abismo intransponível entre o indivíduo e a sociedade.”(p.15)
Para Elias, três metáforas históricas tentaram superar esta autonomia. Essas metáforas servem como modelos de interpretação e que são colocados pelo autor como instrumento para uma posterior reconstrução da teoria antropológica interpretativa dos conceitos de indivíduo e de sociedade.
Primeiramente temos a teoria de Aristóteles sobre a casa, onde a sociedade é vista como a soma de tudo o que se usa para construi-la. Um monte de tijolos não é uma casa. “Aquilo a que chamamos sua estrutura não é a estrutura das pedras isoladas, mas a das relações entre as diferentes pedras com que ela é construída. (...) Deve-se começar pensando na estrutura do todo para se compreender a forma das partes individuais. Esses e muitos outros fenômenos têm uma coisa em comum, por mais diferentes que sejam em todos os outros aspectos: para compreendê-los é necessário desistir de pensar em termos de substâncias isoladas únicas e começar a pensar em termos de relações e funções.”(p.25)
Em segundo lugar, Elias apresenta a metáfora da “Gestalt”, onde o todo é diferente da soma das partes pois este incorpora leis de um tipo especial, que não podem ser elucidadas pelo exame de seus elementos isolados. “como o exemplo da melodia, que também não consiste em nada além de notas individuais, mas é diferente de sua soma, ou o exemplo da relação entre palavras e sons, a frase e as palavras, o livro e as frases. Todos esses exemplos mostram a mesma coisa: a combinação, as relações de unidades de menor magnitude dão origem a uma unidade de potência maior.” (p.16)
Temos ainda a metáfora da “Rede” na qual se estabelecem tensões e onde cada fio que a compõe tem sua singularidade e sua identidade em relação ao todo. Numa rede, muitos fios se ligam para formá-la. A rede é compreendida em termos de modo como se ligam, numa relação recíproca. Essa ligação origina um sistema de tensões para qual cada fio isolado concorre, conforme seu lugar e função na totalidade. A forma do fio individual se modifica quando se alteram a tensão e a estrutura da rede inteira. No entanto, a rede nada é além de uma ligação de fios individuais, e, no interior do todo, cada fio continua a constituir uma unidade em si: tem uma posição e uma forma singular dentro deste todo.
Para Elias, essas metáforas nos remetem sempre a um modelo estático, pois, para o autor, as sociedades são sempre abertas e estão num fluxo continuo de transformação e mudança. Elias parte do princípio de que a sociedade e uma contínua interação entre a parte e o todo, que estão permanentemente se modificando. Este é um processo dinâmico, de transformação. Estas sociedades são complexas e abertas, sua ordem não é uma substância fora dos indivíduos.
A principal contribuição do autor para a teoria antropológica contemporânea é o inter-relacionamento das estruturas sociais, históricas e psíquicas, tornando-as indissociavelmente complementares e tratadas como o objeto único da ciência humana. Na concepção de Norbert Elias as estruturas emergem do indivíduo e da sociedade, a partir das relações estruturais entre o social, o histórico e o psíquico, ou seja, o indivíduo, é uma invenção histórica que se construiu ao longo do tempo a partir de mecanismos de diferenciação de seu comportamento em relação ao dos outros. Temos pois, que o indivíduo é a expressão singular da conformação histórica, o que permite a conscientização deste e de sua individualidade e é através das funções sociais que as pessoas desempenham entre si, seja em relação a si ou aos outros que se institui o que chamamos de sociedade e na sua formação ulterior estruturas que denominamos de estruturas sociais. Para o autor é preciso que se renuncie a forma de pensamento que vê os signos isolados, para começar a pensá-los em termo de relações e funções dentro da estrutura social. Para Elias é preciso deixar de pensar a sociedade e o indivíduo como substâncias indisociáveis. Não existe uma estrutura fora do indivíduo, nem um indivíduo fora da sociedade. É necessário que se pense nas relações históricas que estão embricadas na questão.
Comentários com base no texto de:
ELIAS, Norbert. “A Sociedade dos Indivíduos”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p. 11-66
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muito interessante, parabéns pela publicação
ResponderExcluirMuito bom. Parabéns pelo conhecimento !
ResponderExcluirAjudou-me muito na compreensão da GESTALT, muito bom.
ResponderExcluirObrigada pelo resumo, sensacional. Precisava ler para a aula de socioantropologia porém sem tempo acabei aqui!
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