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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Lévi-Strauss: Eficácia simbólica, interação social e xamanismo

Xamã é uma figura social que significa alguém que sabe, um sábio. O xamanismo é uma expressão concreta daquilo que Lévi-Strauss define como eficácia simbólica, que implica processos de interação social.

“...As raízes do xamanismo são arcaicas, e alguns antropólogos chegam a pensar que elas recuam até quase tão longe quanto a própria consciência humana.As origens do xamanismo datam de 40.000 a 50.000 anos, na Idade da Pedra. Antropólogos têm estudado xamanismo nas Américas; do Norte, Central, Sul. Na África, entre os povos aborígines da Austrália, entre os Esquimós, na Indonésia, Malásia, Senegal, Patagonia, Sibéria, Bali, Velha Inglaterra e ao redor da Europa, no Tibet onde o xamanismo Bon segue a linha do Budismo Tibetano, em todos os lugares ao redor do mundo. Seus traços estão presentes nas Grandes religiões”. (Leo Artese)



No artigo “o feiticeiro e sua magia”, Lévi-Strauss apresenta relatos etnográficos onde procura mostrar os mecanismos psico-fisiológicos embutidos dentro do processo de construção daquilo que chama eficácia simbólica. Durante o artigo, Strauss vai nos remeter a relatos onde procura apresentar sua concepção a partir do método estrutural. A idéia é de que o feiticeiro não seria “tanto” (quanto ele parece a primeira vista) porque ele apenas realiza a cura. Na própria concepção de feiticeiro do grupo está embricada a idéia de poder que causa alguma coisa. Seria um tipo de “carisma” transportado do grupo para um indivíduo, embasado totalmente sobre seu inter-relacionamento. Lévi-Strauss inicia sua argumentação para a compreensão do processo da eficácia simbólica a partir de um artigo de W.B. CANNON, “Voodoo Death”, de 1942, onde relata que

“um indivíduo, consciente de ser objeto de um malefício, é intimamente persuadido, pelas mais solenes tradições de seu grupo, de que está condenado; parentes e amigos participam desta certeza. Desde então a comunidade se retrai: afasta-se do maldito, conduz-se a seu respeito não só como se fosse, não apenas já morto, mas fonte de perigo para seu grupo. (...) o enfeitiçado cede à ação combinada de intenso terror que experimenta, da retirada súbita total dos múltiplos sistemas de referência fornecidos pela convivência do grupo. (...) A integridade física não resiste à dissolução da personalidade social".



A psicologia do feiticeiro é um processo complexo que liga três elementos básicos: o xamã, o doente e o público. São três elementos indissociáveis que envolvem esse complexo xamanístico. Mas vê-se que eles se organizam em torno de dois pólos, formados, um pela experiência íntima do xamã, o outro pelo consensus coletivo. Não existe razão para duvidar, efetivamente, que os feiticeiros, ou ao menos os mais sinceros dentre eles, acreditam em sua missão. O xamã não é completamente desprovido de conhecimentos positivos e técnicas experimentais. É provável que os médicos primitivos, do mesmo modo que seus colegas civilizados, curem pelo menos uma parte dos casos de que cuidam, e que, sem esta eficácia relativa, os usos mágicos não poderiam conhecer a vasta difusão que os caracteriza. Acreditamos nos médicos de hoje por causa de seu mana, sua reputação. É um caso semelhante ao do xamã. Ele só cura porque é tido como um grande feiticeiro. Quesalid não se tornou um grande feiticeiro porque curava seus doentes, ele curava seus doentes porque tinha se tornado um grande feiticeiro. Este é o polo coletivo do sistema. Os rivais de Quesalid derrocaram, tornando-se motivo de chacota por sua vergonha, sentimento social por excelência. Isto é o desaparecimento do consensus social. Para STRAUSS

“o problema fundamental é, pois, o da relação entre um indivíduo e o grupo, ou; mais exatamente, entre um certo tipo de indivíduo e certas exigências do grupo.”

Nessa perspectiva, percebemos que as interpretações divergentes não são evocadas pela consciência individual, mas antes como fatores complementares de uma consciência coletiva. Para Lévi-Strauss, o par feiticeiro-doente encarna concretamente para o grupo um antagonismo próprio a todo o pensamento. O paciente aparece como passivo, alienado; o feiticeiro é atividade, extravasamento de si mesmo. A relação entre estes dois pólos opostos vai ser a cura, assegurando a passagem de um a outro, manifestando, numa experiência total, a coerência do universo psíquico, este projeção do universo social. A magia do processo readapta ao grupo problemas pré-definidos por intermédio do doente. O valor do sistema não se funda em curas reais que beneficiam indivíduos particulares; mas no sentimento de segurança trazido ao grupo pelo mito que fundamenta a cura, reconstituindo todo o seu universo dentro do sistema popular. É a assimilação de experiências informes e afetivas incorporadas na cultura do grupo que produzem o único meio de objetivar os estados subjetivos e formular impressões informuláveis, integrando experiências inarticuladas em sistema. A doença era uma desorganização cosmológica que afligia o grupo, e o xamã, cumprindo seu papel, reorganiza o grupo através da cura do paciente.

Reflexão com base no texto:
LÉVI-STRAUSS, Claude. O Feiticeiro e sua Magia. In: Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.

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