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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Norbert Elias: relações sociais, sociedade e individualização

Para compreendermos a sociedade é preciso que construamos modelos conceituais e que tenhamos uma visão global, mediante aos quais possamos tornar compreensível no pensamento aquilo que vivenciamos diariamente na realidade. Essa possibilidade nos foi fornecida pela teoria da Gestalt, a qual penetrou mais a fundo nesses fenômenos, ensinando-nos que o todo é diferente da soma de suas partes e que ela incorpora leis de um tipo especial, a qual não pode ser elucidada pelo exame de seus elementos isolados, ou seja, as unidades de potência menor dão origem a uma unidade de potência maior que não pode ser compreendida quando suas partes são consideradas em isolamento, independentemente de suas relações. Desta forma, só pode haver uma vida comunitária mais livre de perturbações e tensões se todos os indivíduos dentro dela gozarem de satisfação suficiente, e só pode haver uma existência mais satisfatória se a estrutura social pertinente for mais livre de tensão, perturbação e conflito. Assim temos que qualquer idéia que aluda a essa disputa é infalivelmente interpretada como uma tomada de posição a favor de um lado ou de outro, ou seja, como uma apresentação do indivíduo enquanto ‘fim” e da sociedade enquanto “meio”, ou uma visão da sociedade como o mais “essencial” ou “objetivo mais alto” e do indivíduo como “menos importante”, o “meio”. Toda concepção de Elias deixa presente e clara a idéia de que o indivíduo é uma construção histórica e datada. Ela começa a surgir com o renascimento, nos séculos XIV e XV, e se aprofunda ao longo do processo de formação da modernidade da humanidade no ocidente. Ele chamará de processo civilizador a tensão entre ordens e proibições sociais inculcadas como auto domínio e os instintos e inclinações controladas e recalcadas dentro do próprio ser humano. O peido é um exemplo de uma proibição externa que vai ser internalizada até uma proibição interna, algo que é constrangedor ao próprio indivíduo quando em sociedade. Ora, pare Elias o indivíduo é uma estrutura formada por relações sociais históricas internalizadas, onde os indivíduos que nascem já encontram uma sociedade pronta. O indivíduo é a expressão singular de uma construção histórica que permitiu a consciência da individualidade. Enquanto estrutura psicológica o indivíduo é uma invenção histórica, ou seja, uma estrutura que surge do processo civilizador. A estrutura e a configuração do indivíduo é fruto do controle comportamental que se impôs a partir de regras de civilização ditadas pelo convívio entre os indivíduos. Algo ritual é incorporado na estrutura mental como algo natural. Os sentimentos de vergonha, por exemplo, foram construídos historicamente. Pensamos que “ser humano” é comer com talheres, cagar no banheiro. Todas essas “coisas rituais” são socialmente “naturais”.

“O modo como essa forma realmente se desenvolve, como as características maleáveis da criança recém-nascida se cristalizam, gradativamente, nos contornos mais nítidos do adulto, nunca dependem exclusivamente de sua constituição, mas sempre da natureza das relações entre ela e as outras pessoas. (...) A individualidade que o ser humano acaba por desenvolver não depende apenas de sua constituição natural, mas de todo o processo de individualização.”(p.28)

A relação indivíduo/sociedade é tida como duas dimensões indissociáveis dos seres humanos em seu convívio. A idéia de que o indivíduo deve tudo a ele mesmo, a sua natureza e a mais ninguém, é uma construção que faz parte da formação da individualidade das sociedades modernas. Ora, a sociedade não produz apenas o semelhante e o típico mas também o individual em seu próprio processo de construção. Sob esta forma de conceber a sociedade temos que esta emerge em planos, de forma não planejada sendo movida por propósitos, mas sem uma finalidade. Norbert Elias busca compreender um processo de emergência do indivíduo como resultado de um desenvolvimento histórico. Há uma ordem oculta que conforma a vida em comum e que oferece uma gama mais ou menos restrita de funções e modos de comportamento possíveis, mas esta ordem não existe como uma substância fora dos indivíduos como acreditaram os funcional-estruturalistas. Para superar a dicotomia entre sociedade e indivíduo é preciso deixar de pensar em termos de substâncias isoladas e únicas e começar a pensar em termos de relações.


Comentários com base no texto:
ELIAS, Norbert. “A Sociedade dos Indivíduos”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p. 11-66

2 comentários:

  1. Estou cursando o 3º periodo de Ciências Sociais, e seus artigos, me ajudam muito,são exelentes,espero continuar com essa ajuda.

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  2. Gostei do exemplo do peido, vou usar na prova.

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