Robert Castel apresenta sua concepção sobre a construção do indivíduo moderno em uma entrevista com a pesquisadora Claudine Haroche. Juntos, exploram a concepção de Castel segundo o qual a construção do indivíduo se desenvolveu a partir da consolidação dos suportes sociais que permitem a existência do indivíduo. Embora seja um diálogo, o que está em pauta é a concepção de Castel.
Castel sustenta uma abordagem centrada na análise das condições sociais objetivas que dotariam os homens da propriedade de si. A análise genealógica dessas condições o aproxima muito da concepção durkheimiana, relativa à anterioridade do social sobre o individual. A preocupação do autor é a de analisar as condições de emergência do sujeito e não especificamente trabalhar a emergência do sujeito. “Um indivíduo não existe em substância, e para existir como indivíduo é necessário ter suportes, e, portanto devemos nos interrogar sobre o que há “detrás” do indivíduo que o permita existir como tal (p. 12).
As condições sociais, ou suportes, a que se refere Castel, são sempre direcionadas à perspectiva da segurança e proteção social. O autor entende que apenas um indivíduo assegurado e protegido socialmente poderia desenvolver a propriedade de si, pois este indivíduo não dependeria de outros indivíduos. Ou seja, ser indivíduo positivamente seria estar no seio de uma sociedade, e ser parte dela, e por ser parte dela ser protegido dos acasos da existência. O que se subentende, portanto, é que o indivíduo liberta-se da dependência de outros indivíduos, não sendo mais propriedade de outros indivíduos, mas passa a legitimar a coerção da sociedade, tornando-se proprietários de si através de seu trabalho. Na sociedade, o indivíduo teria seus direitos garantidos, tornar-se-ia um cidadão. Desta maneira, o indivíduo passaria a depender da capacidade do Estado de garantir certas condições, e por isso o social o tornaria um indivíduo. A idéia é a de que os suportes necessários para existir e ser reconhecido como indivíduo só poderiam ser obtidos pela sociedade.
Castel entende que na modernidade ocorreu uma separação entre propriedade e trabalho, o que implicaria em pensar numa sociedade de proprietários e não-proprietários. Neste sentido, identifica que, primeiro, a propriedade privada, como enunciou Locke, poderia tornar o indivíduo proprietário de si. Os trabalhadores, devido à condição de não-proprietários, não gozavam de uma igualdade de fato, pois estavam despossuídos de si mesmos, pertencendo ao patrão. Não proprietários, nada poderiam ser. Com a falta da propriedade privada para um grande número de pessoas, a propriedade social representou uma inovação que permitiu a reabilitação dos não-proprietários para ascender à propriedade de si, pois a propriedade social outorgaria a seguridade e o reconhecimento pelo trabalho na condição de assalariado. Assim, as relações de trabalho foram estruturadas na sociedade salarial em torno de instituições do Estado. O trabalho assalariado permitiria o acesso aos suportes sociais a ele associados favorecendo a integração e a coesão social. Na sociedade salarial se poderia encontrar uma distribuição da propriedade social em que seria permitido aos indivíduos o exercício de fato de seus direitos de cidadão. Neste sentido, a propriedade social seria análoga da propriedade privada, ou seja, uma propriedade que gera segurança e proteção social.
Entende o autor que “Existir positivamente como indivíduo é ter a capacidade de desenvolver estratégias pessoais, dispor de uma certa liberdade de escolha na condição de sua própria vida porque não se encontra na dependência de outro” (p. 26). A propriedade de si dependeria da possibilidade de apropriar-se do próprio corpo, apropriar-se do tempo e pensar o próprio destino.
Comentários com base no texto:
CASTEL, Robert; HAROCHE, Claudine. Propriedad privada, propriedad social, propriedad de si: conversaciones sobre la construcción del indivíduo. 1ª Ed. Rosario: Homo sapiens, 2003.
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