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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sociedade da informação e ética hacker

No clássico A ética protestante e o espírito do capitalismo, Weber afirmava que a doutrina protestante, da predestinação e da santidade do trabalho, na qual a noção de trabalho aparece como dever, como vocação, teria sido um fator cultural decisivo para a formação da mentalidade capitalista e teria potencializado os princípios éticos da Era Industrial.
Em “A ética dos hackers e o espírito da era da informação”, Himanen afirma que os hackers, mais do que possuírem valores diferentes daqueles dos protestantes, representam uma oposição à moral industrial em diversos sentidos. Himanen contrapõe os valores da ética dos hackers aos da protestante: transformar a monotonia da sexta-feira em um domingo, democratizar a informação, romper com a jaula de ferro da disciplina e da burocracia, realizar a paixão criativa através do computador, não se render à ganância, são alguns dos valores de um hacker. Segundo Himanen, o termo hacker vem sendo empregado incorretamente, sendo relacionado a programadores que praticam atividades criminosas: esses “piratas” da Internet, que violam os sistemas de empresas e que roubam números de cartões de crédito ou contas bancárias, na verdade, não passariam de crackers. A palavra inglesa hacker, em seu sentido original, refere-se a programadores de computador entusiasmados, que compartilham seu trabalho técnico, científico ou artístico com outros. O termo hacker, que Himanen resgata, surgiu, no início dos anos 1960, como a autodenominação utilizada por um grupo de jovens programadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que tinham em comum o gosto pelos estudos, o apurado conhecimento de informática e o jeito passional de lidar com os negócios.

Himanen busca provar a tese de que os valores dos hackers seriam, na verdade, a chave de trabalho obsessivo, dotado de ritmo próprio, fundado na crença em grandes realizações através da união de forças, de forma criativa e apaixonada. Como afirma o autor, seu interesse em realizar uma etnografia dos hackers foi tecnológico, relacionado com o fato de que os símbolos mais conhecidos da nossa era, a Rede, o computador pessoal e os softwares que fazem isso tudo funcionar não foram, na realidade, criados por empresas ou governos, mas por indivíduos entusiastas que se empenharam em pôr em prática suas idéias, com outros indivíduos de interesses afins e que trabalhavam a seu próprio ritmo. No prólogo da obra, Linos Torvalds destaca que há três categorias básicas para a motivação dos hackers: a sobrevivência, a vida social e o entretenimento. Segundo Himanen, essa última categoria deve ser entendida com “E” maiúsculo, por tratar-se do tipo de estímulo que retira o hacker do tédio e do aborrecimento, fornecendo sentido à sua vida. Porém, este entretenimento significa trabalhar com prazer, e não, jogar Nintendo. O “Entretenimento” seria qualquer coisa intrinsecamente interessante, desafiante e fundamental na vida de cada indivíduo empenhando em realizar sua paixão criativa. Para Himanen, o sentido de “Entretenimento” deve ser paixão, ou seja, a dedicação a uma atividade que seja intrinsecamente interessante, inspiradora e que cause regozijo: uma relação apaixonada com o trabalho e que, historicamente, teria caracterizado o “mundo intelectual”.
O ethos hacker nega a relação do trabalho com o tempo, da maneira estabelecida pela ética protestante. O hacker é também um indivíduo obcecado pelo trabalho, mas não pelos prazos. Seu compromisso não é com um emprego, mas com a expressão de sua realização como indivíduo; sua recompensa não é apenas o salário, mas o reconhecimento do seu trabalho pelos interessados neste trabalho. Os hackers crêem que a revolução digital deve ser traduzida também em um tempo lúdico para a humanidade. A plena realização de suas capacidades criativas depende de seus impulsos, não podendo ser heterodeterminada. Os hackers não subscrevem o adágio “o tempo é dinheiro” e sim, “o tempo é minha vida”.


Trechos do texto:
MOCELIN, Daniel Gustavo. A ética hacker do trabalho: rompendo com a jaula de ferro? Resenha do livro de Pekka Himanen, Linus Torvalds ("Prólogo") & Manuel Castells ("Epílogo"). The hacker ethic and the spirit of the information age. Nova York: Random House, 2001; Sociologias, n° 19, jan-jun, 2008. Este texto na integra está disponível neste blog, no link "produções do editor".

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